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ALIMENTAÇÃO
Na rota das especiarias
Pesquisadores avaliam 24 tipos de tempero e constatam presença importante de polifenóis, que têm ação antioxidante; o efeito do consumo desses produtos em humanos ainda não foi confirmado
Patricia Stavis/Folha Imagem
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AMARÍLIS LAGE
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um punhado de orégano, um toque de alecrim, um pouquinho
de pimenta... Ou seria melhor dizer "uma pitada de
antioxidantes"?
É isso o que sugere um estudo recente. Após avaliar 24 tipos de tempero, pesquisadores
da Universidade da Georgia,
nos EUA, constataram que, de
modo geral, esses produtos são
ricos em polifenóis -substâncias que têm efeito antioxidante no organismo. O cravo-da-índia está no topo da lista, seguido pela canela e pela pimenta-da-jamaica.
No trabalho, os autores defendem que esses compostos
podem ter um efeito benéfico
para a saúde -especialmente
na inibição de processos inflamatórios, como o que ocorre no
diabetes. Eles ressaltam, ainda,
que os polifenóis têm sido associados à redução do risco de
doenças como câncer, problemas cardiovasculares e neurodegenerativos e osteoporose.
Trata-se de uma abordagem
nova, ainda com poucos estudos e cercada de controvérsias,
afirma o nutricionista João Felipe Mota, que é presidente do
Instituto de Nutrição e Ciências da Saúde e desenvolve uma
pesquisa sobre antioxidantes
na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"Pelo que pude observar no
estudo, algumas dessas especiarias são realmente riquíssimas em polifenóis", afirma Mota. Como a avaliação desses
produtos foi feita in vitro (tubos de ensaio), ele diz que ainda
é cedo para saber que efeito essas substâncias teriam em humanos. "Mas é uma informação
nova, que traz curiosidade para
investigarmos mais."
Segundo Mota, um estudo
que já está sendo realizado em
humanos avalia os efeitos da
curcumina (um componente
do açafrão) na doença de
Crohn, caracterizada pela inflamação crônica do tubo digestivo. "Os dados preliminares
indicam que, com o consumo
da curcumina, houve uma diminuição de alguns marcadores inflamatórios", conta.
A canela também tem sido alvo de pesquisas com humanos,
especialmente no que se refere
ao controle do diabetes, mas os
dados sobre seus benefícios para a saúde são divergentes.
A nutricionista Ana Mara de
Oliveira e Silva, que defendeu
em maio dissertação de mestrado sobre a atividade antioxidante do alecrim em ratos, diz
que se trata de uma área incipiente, com poucos trabalhos
em seres humanos.
"Mas as especiarias têm se
mostrado muito promissoras,
com quantidades superiores de
compostos fenólicos em relação a outros alimentos que são
estudados no nosso laboratório
há 20 anos", diz ela, que continua os estudos com o mesmo
tempero, agora no doutorado,
no laboratório de lípides do Departamento de Alimentos e
Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de
São Paulo).
No estudo de Silva, ratos diabéticos receberam extrato
aquoso de alecrim e tiveram redução do percentual de hemoglobina glicada (ligação de glicose com proteína, que pode
gerar respostas inflamatórias),
aumento da atividade das enzimas antioxidantes, além de diminuição nos teores de triglicerídeos e no colesterol total.
No mesmo departamento,
outros estudos identificaram
ação antioxidante em especiarias como canela, mostarda e
erva-doce. Para o professor titular Jorge Mancini Filho, responsável pelo laboratório, os
resultados sugerem que essas
especiarias possam vir a ser
consideradas alimentos funcionais. "Os compostos fenólicos impedem a formação de radicais livres e, com isso, ajudam
a prevenir o aparecimento de
doenças. Um exemplo é a dieta
mediterrânea, que, apesar de
conter quantidade elevada de
lipídeos, tem também muitos
vegetais, frutas, azeite e vinho,
ricos em antioxidantes. É isso
que a torna saudável."
A química Giuseppina Negri,
pesquisadora do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas), da
Unifesp, que fez um estudo sobre plantas que baixam a glicemia, acredita que as especiarias
seriam mais bem aproveitadas
para ajudar pessoas doentes se
estivessem na forma de fitoterápicos do que in natura, como
alimento. "Não basta comer um
quilo de canela, tem que ver
qual é a quantidade de princípio ativo necessária para cada
nível de diabetes. Isso é mais fácil de controlar num fitoterápico. E tem que ser com acompanhamento médico."
Ela lembra que nenhum tempero deve ser usado como substituto de remédios e que deve-se ter cuidado com exageros.
"Não é porque é natural que
não tem problema. Tudo em
excesso pode ser prejudicial."
"Longe da realidade"
De acordo com a endocrinologista Vivian Ellinger, diretora
de cursos da regional da Sbem
(Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) no
Rio de Janeiro, o uso de especiarias para prevenir ou tratar
doenças é, por enquanto, algo
"longe da realidade".
"Uma coisa é fazer experiência in vitro, onde aquelas substâncias estão puras. A mistura
com outros ingredientes e o
preparo, como o cozimento,
podem modificar seu efeito",
afirma Ellinger.
Além disso, explica ela, a
quantidade de especiarias que
utilizamos no preparo de receitas é, de modo geral, muito pequena e isso deve ser levado em
consideração quando se pensa
nos possíveis efeitos benéficos
desses produtos.
E, mesmo que a quantidade
de antioxidantes presentes em
ervas e pimentas seja alta, isso
também não garante que o consumo excessivo desses produtos gere bons resultados. Um
exemplo é a vitamina E: um levantamento realizado nos EUA
mostrou que as pessoas que tomavam suplementos da vitamina, conhecida por seu poder
antioxidante, apresentavam
um risco maior de desenvolver
câncer de pulmão.
Alternativa para o sal
Mas os especialistas vêem
grandes vantagens no uso das
especiarias quando o objetivo é
reduzir o consumo de sal.
"Quem tem diabetes geralmente se preocupa em tirar o açúcar
e não pensa em diminuir também o consumo de sal e de gordura. Só que o diabetes, principalmente o tipo 2 [associado à
presença de gordura abdominal], está intimamente relacionado à hipertensão", afirma a
endocrinologista da Sbem.
A resistência à insulina aumenta a vasoconstrição e, com
os vasos sangüíneos mais estreitos, a pressão arterial se eleva, explica Ellinger. Segundo
ela, cerca de 80% dos diabéticos
também são hipertensos, e a
maioria das complicações do
diabetes ocorre no sistema circulatório.
O cardiologista Hilton Chaves, secretário-executivo da
SBH (Sociedade Brasileira de
Hipertensão) e professor de
cardiologia da Universidade
Federal do Pernambuco, reforça a importância do uso de ervas e de outros tipos de tempero no lugar do sal. "O cloreto de
sódio tem um efeito direto na
elevação da pressão arterial,
que, por sua vez, é um fator de
risco para o AVC (acidente vascular cerebral) e para as insuficiências cardíaca e renal."
Para reduzir o uso do ingrediente sem deixar a comida insossa, ele costuma recomendar
a seus pacientes o uso da salsinha, da cebolinha e do limão
-este último, por sua acidez,
"confunde" o paladar, dando a
impressão de que o alimento
está mais salgado.
É preciso, porém, estar atento aos rótulos dos temperos industrializados (como os preparados para temperar carnes ou
arroz), afirma, pois eles podem
conter níveis muito altos de sal.
"As pessoas passaram a consumir muitos alimentos industrializados, que têm poucos
componentes antioxidantes. E
o que se usa para dar sabor são
temperos também industrializados, que têm poucos nutrientes e muito sal", afirma Mota.
[!] A RECEITA NO LABORATÓRIO
Quando há excesso de açúcar no sangue, como no diabetes, há mais reações de glicose com proteínas, o que pode levar a inflamações. Para avaliar a ação das especiarias no processo, cientistas misturaram os polifenóis com proteína e açúcar. Os polifenóis reagiram antes com proteínas, evitando a conexão delas com o açúcar. Isso evitou o processo inflamatório. Ainda não se sabe o efeito no corpo humano.
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