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SAÚDE
O peso do mundo nas costas
Publicação reúne pesquisas sobre 200 opções de tratamento para dor nas costas, de remédios a medicina alternativa, e constata que a maioria não tem eficácia cientificamente comprovada
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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O bailarino Raymundo Costa, 50, integrante da Cia. 2 do Balé da Cidade
AMARÍLIS LAGE
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Raymundo, Júlio, Patrícia e Viviane têm
um problema em comum: a dor nas costas. E é muito provável que você se junte a eles nesse grupo.
Afinal, segundo estimativas da
Organização Mundial da Saúde, 85% da população vai viver
ao menos um episódio de dor
nas costas ao longo da vida. E,
prepare-se, porque, para esses
bilhões de pessoas, as notícias
não são boas.
Um estudo publicado neste
mês no "British Medical Journal" mostrou que a recuperação das lombalgias (dores lombares) é muito mais longa do
que o previsto pelas atuais
orientações médicas.
Os pesquisadores, liderados
por Christopher Maher, do
George Institute, na Austrália,
acompanharam 973 pacientes
nesse país. Pelas diretrizes, o
esperado era que 90% deles se
recuperassem em até seis semanas. O resultado: um terço
continuava a sentir dor um ano
após o início do problema -a
dor nas costas passa a ser considerada crônica após três meses.
E, para quem chegou a esse
estágio, a perspectiva de tratamento também não é das melhores. "The Spine Journal",
uma das principais publicações
destinadas ao assunto, dedicou
sua primeira edição deste ano à
avaliação das opções de tratamento para lombalgia crônica.
O problema, segundo os autores, já começa na hora em que o
paciente decide buscar ajuda. A
quem recorrer: acupunturistas,
reumatologistas, massagistas,
ortopedistas, quiropraxistas?
A variedade de tratamentos é
ainda maior. A publicação reuniu pesquisas sobre aproximadamente 200 opções -o que foi
chamado de uma seleção "simplificada". A lista inclui mais de
60 remédios (de antiinflamatórios a antidepressivos), 32 terapias manuais, 20 programas de
exercícios, 26 modalidades físicas passivas, nove terapias educacionais e psicológicas, mais
de 20 tipos de injeção, além de
procedimentos cirúrgicos,
abordagens de medicina alternativa e diversos produtos como cintas e cadeiras especiais.
Uma oferta que, de acordo
com a revista, remete a um verdadeiro "supermercado" para
dor nas costas.
Não bastasse a confusão que
esse excesso de opções poderia
causar, a conclusão dos pesquisadores é que as evidências
científicas são limitadas, tratamentos que nunca foram submetidos a testes são apresentados como chances de cura e,
quando as pesquisas mostram
que determinado procedimento gera apenas um benefício
mínimo, ele não é descartado.
"O problema é que nós não
entendemos as lombalgias
muito bem. Até o momento,
quase todos os tratamentos são
voltados para os sintomas, e
não para a causa. Para a maioria
das pessoas, a causa da dor nas
costas nunca é estabelecida e o
diagnóstico da estrutura que
causa a dor não é possível. Assim que nós pudermos definir o
que causa o problema, poderemos desenvolver estratégias
para preveni-lo ou tratá-lo de
forma mais efetiva", disse à Folha o pesquisador Christopher
Maher, do George Institute,
responsável pela pesquisa.
Uma barreira para que esse
avanço ocorra, porém, é que a
dor nas costas não é um tema
prioritário para as agências de
pesquisa, afirma Maher. "É
muito difícil convencê-las a financiar pesquisas sobre lombalgias, embora esse seja um
problema que custe bilhões de
dólares por ano."
Do médico à benzedeira
É nesse cenário que quem sofre com dor nas costas inicia a
sua saga -que pode durar semanas, meses ou anos. No método de tentativa e erro, pacientes e profissionais de saúde
vão descartando opção por opção na busca da cura.
"A maioria dos pacientes que
chegam ao ambulatório já passou por muitos profissionais e
experimentou diversos tratamentos. Tomou remédios, fez
massagens, submeteu-se a sessões de acupuntura, tomou fitoterápicos. Cansadas e com
dor, as pessoas procuram até
benzedeiras", conta o fisiatra
Carlos Alexandrino de Brito,
coordenador da Escola de Postura da divisão de medicina de
reabilitação do Hospital das
Clínicas da USP (Universidade
de São Paulo).
Para ele, os pacientes muitas
vezes recorrem a essas opções
porque não receberam o apoio
dos médicos que os atenderam:
"Como a dor nas costas atinge
muita gente, os médicos desvalorizam o problema".
"São poucos os que querem
se dedicar a essa área, e o assunto vira até piada. Muitos profissionais não entendem o prejuízo financeiro, social e psicológico que a dor nas costas traz.
Em vez de avaliar o paciente de
forma adequada, receitam um
remédio para tratar a dor -e
não a sua causa", afirma Brito.
Um risco, de acordo com o fisiatra, é que uma abordagem
superficial acabe deixando passar problemas graves que também podem gerar dores na região das costas, como alguns tumores, alterações cardiovasculares, processos reumáticos e
problemas gástricos.
Exame e prescrição
Para o reumatologista José
Goldenberg, professor da Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo), outro problema no
atendimento dos pacientes é
que a avaliação médica tem sido cada vez mais restrita à realização e à interpretação de
exames. No caso das lombalgias, afirma, isso é especialmente prejudicial, já que nem
sempre há uma correlação entre a imagem e o sintoma.
"É possível existir dor sem alterações no exame e ter uma
hérnia de disco sem dor. Mas
houve uma substituição do ato
médico pela máquina, e a gente
vê decisões médicas serem tomadas sem o amadurecimento
necessário, com base nas imagens", afirma Goldenberg, autor do livro "Coluna Ponto e
Vírgula" (ed. Atheneu, 146
págs., R$ 42,30).
No que se refere ao tratamento, ele critica o que avalia
ser uma indicação abusiva de
antiinflamatórios e analgésicos
e de procedimentos invasivos
como a cirurgia de hérnia.
"A recomendação geral é que
a operação só seja feita após
trabalhar os fatores de risco por
um período de 6 a 12 semanas e
se houver uma correlação clara
entre os exames clínico, neurológico e de imagem", diz.
O uso de antiinflamatórios e
analgésicos também deve ser
cauteloso. Segundo Osmar
Avanzi, professor da Faculdade
Santa Casa e membro da Sbot
(Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), quem
tem problemas gástricos, renais ou hepáticos deve evitar
esse tipo de medicação.
Excesso de remédios
Mesmo quem está livre desse
tipo de problema não pode usar
esses remédios de forma abusiva ou por um período de tempo
muito prolongado -um estudo
canadense baseado em dados
do sistema público de saúde de
Quebec mostrou que, para cada
US$ 1 gasto em antiinflamatórios, mais US$ 0,66 eram desembolsados para combater
seus efeitos colaterais.
Ainda assim, segundo dados
norte-americanos divulgados
no "Spine Journal", de cada 100
pessoas que procuram o sistema básico de saúde por dor nas
costas, 80 são medicadas -destas, 69 com antiinflamatórios.
Segundo a publicação, o uso
dessa medicação, assim como o
de analgésicos, é indicado para
o alívio da dor lombar crônica,
mas é preciso que os médicos
informem os pacientes sobre os
riscos e os benefícios.
De acordo com Goldenberg,
o indicado é que tanto a avaliação médica como o tratamento
incluam os principais fatores
de risco relacionados à dor nas
costas, como o peso, a postura e
até a situação emocional do paciente (veja quadro na pág. 11).
Um exemplo é o efeito do sedentarismo: a musculatura das
costas, responsável por manter
o tronco ereto, conta com a ajuda dos músculos do abdômen
para sustentar o corpo. Quando
a barriga está flácida e fraca, a
maior parte do trabalho fica
com as costas. E o centro de
equilíbrio do tronco fica desalinhado, forçando a coluna e os
músculos dessa região, explica
a fisioterapeuta Gerseli Angeli,
do Cemafe (Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte), da Unifesp.
Já a prática de exercícios de
alongamento e de fortalecimento do abdômen três vezes
por semana leva, num período
de dois ou três meses, a uma
melhora da condição muscular.
De acordo com o levantamento publicado no "Spine
Journal", há evidências moderadas de que exercícios aeróbicos e de alongamento, assim
como hidroginástica, são efetivos para reduzir a incapacidade
gerada pela dor nas costas.
Segundo a publicação, ainda
não há pesquisas que comprovem a relação entre parar de fumar e emagrecer e a melhoria
de lombalgias. A indicação, porém, permanece: para os pacientes fumantes, que parem
de fumar. Aos com sobrepeso,
que emagreçam. (E aos pesquisadores, um "forte encorajamento" para que estudos sobre
o tema sejam realizados.)
As mudanças no estilo de vida não garantem uma "imunidade" contra a dor nas costas,
mas, associadas a outros fatores, podem ajudar a preveni-la.
E, num cenário em que os tratamentos despertam tantas polêmicas e incertezas, parece
ainda mais válido o ditado: prevenir é o melhor remédio.
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