|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
palanque
China usa Jogos como vitrine de poder
NO PAÍS EM QUE ATLETAS DE SUCESSO TÊM CADEIRAS
DE DEPUTADOS, GOVERNANTES USAM OBRAS COMO
PROPAGANDA E ESPORTE VIRA FERRAMENTA POLÍTICA
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
A superlativa tribuna VIP do Estádio Nacional de
Pequim não deixa dúvidas.
Com 11 mil lugares, as autoridades estrangeiras nos Jogos serão minoria entre a multidão
do quem é quem do Partido Comunista Chinês.
Não passa uma semana sem
que um figurão do partido visite obras olímpicas e aproveite o
palanque. Para os políticos chineses, a Olimpíada é poderosa
vitrine interna e externa.
Logo após despontar no Partido Comunista como favorito
para ser o novo presidente da
China, Xi Jinping foi nomeado
"coordenador" dos Jogos Olímpicos há seis meses.
Para um evento que está sendo minuciosamente organizado há sete anos, é difícil imaginar o que Xi tenha para fazer
agora, mas sua nomeação é
prova do status dos Jogos.
Com orçamento de cerca de
US$ 40 bilhões, dividido entre
organização e construção de infra-estrutura urbana para a capital, o governo chinês não
poupa na verba nem no poder
dados ao comitê organizador.
Fim do isolamento
A Olimpíada de Pequim não é
só o primeiro grande evento internacional em 5.000 anos de
história da China. É a celebração do sucesso econômico dos
30 anos de abertura, determinada pelo então líder comunista Deng Xiaoping.
Com a derrocada do comunismo, inflação e desigualdade
crescentes, o regime apela ao
nacionalismo para manter seu
poder e o país unido. São os
"Jogos da China e para a China", como descreveu um professor chinês que pediu anonimato com medo de represália.
Depois de séculos de isolamento e de praticamente ignorar o Ocidente, apenas ocupando ou dominando sua vizinhança imediata, a China viveu 150
anos trágicos até se abrir. Sofreu com as invasões européias,
criação de colônias e protetorados, guerra e ocupação do Japão e uma revolução comunista, que levou o país à penúria e
que matou de fome estimadas
30 milhões de pessoas.
Durante dez anos, a chamada
Revolução Cultural (1966-1976) tentou extirpar qualquer
herança capitalista do país.
Universidades foram fechadas,
estudantes enviados ao campo
para pegar na enxada, intelectuais "reeducados" ou assassinados, e o clima de delação se
espalhou por todo o país.
"Jogos de basquete não tinham árbitro ou placar. A Revolução Cultural dizia que o esporte deveria ser jogado pelo
prazer, sem se preocupar com
vitória", diz a professora
Huang Yaling, da Universidade
dos Esportes de Pequim.
Durante esse período, a China ficou fora de Olimpíadas.
Boa parte dos dirigentes esportivos pertencia ao governo nacionalista da China, derrotado
pelos comunistas em 1949 e
exilado em Taiwan.
Por não admitir sua independência, a China se retirou de todas as federações onde Taiwan
era reconhecido como país. Para evitar a existência de "duas
Chinas", o país também deixou
o Comitê Olímpico Internacional (ao qual só retornou em
1979). Depois de Helsinque, em
1952, a China só voltou a competir em 1984, nos Jogos de Los
Angeles.
E foi com o pingue-pongue
que o país começou a estabelecer relações com os EUA, nos
anos 70, movimento que levaria à sua abertura.
Hoje, o status dos esportes
olímpicos cresceu muito. Atletas das seleções de tiro, badminton e tênis de mesa, esportes com farto número de medalhas, fazem parte do Congresso
-os deputados são escolhidos
e nomeados pelo partido. O
atleta mais popular da China,
Liu Xiang, 24, ouro em Atenas
nos 110 m com barreiras, também é deputado.
Repressão continua
Em 93, Pequim concorreu
para sediar os Jogos de 2000.
Quatro anos antes, centenas de
estudantes tinham sido mortos
pelo Exército ao protestarem
pela democratização do país,
no que ficou conhecido como o
Massacre da praça da Paz Celestial. Pequim perdeu para
Sydney. A propaganda comunista culpou um complô de potências ocidentais.
Ao vencer a disputa para sediar a Olimpíada de 2008, o governo chinês prometeu mais
abertura do regime, maior liberdade de imprensa e maior
respeito aos direitos humanos.
Poucas promessas foram
cumpridas. Só no ano passado,
mais de 700 ativistas pró-direitos humanos foram presos na
China. O mais famoso deles, o
blogueiro Hu Jia, 34, que defende soropositivos da discriminação generalizada que sofrem, foi condenado a três anos
e quatro meses de prisão por
conceder entrevistas críticas à
mídia estrangeira.
Jornalistas estrangeiros são
proibidos de ir à Província separatista do Tibete, ocupada
desde 1950. Violentos protestos em março foram reprimidos da mesma forma pelo
Exército. Em junho, autoridade local disse que "esmagará"
movimentos separatistas tibetanos e que os monges budistas
só teriam liberdade depois de
serem reeducados e aceitarem
que o Tibete faz parte da China.
Televisões e jornais chineses
estatais começaram campanha
acusando a "mídia ocidental"
de interferir em assuntos internos do país. Campanha xenofóbica se seguiu, com ameaças a correspondentes e boicotes contra marcas francesas.
Pelo mundo, a tocha olímpica foi alvo de protestos por respeito aos direitos humanos.
O governo também lançou
manual com proibições a turistas. Estrangeiros com camiseta
com dizeres como "Tibete Livre" ou que protestem por direitos humanos serão presos.
Texto Anterior: Questão de honra Próximo Texto: A sete chaves: Preparação é cercada de segredos Índice
|