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ARTIGO
11 de setembro será lembrado?
ARTHUR SCHLESINGER JR.
O ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, mudou nosso mundo para sempre, e esse dia foi descrito por Roosevelt, numa frase
que ficaria famosa, como "uma
data que viverá na infâmia".
Daqui a um século, serão os ataques de 11 de setembro vistos como outro grande instante de virada na história? Ou será que terão
caído no relativo esquecimento?
Foi o que ocorreu com o dia 15
de fevereiro de 1898, quando o encouraçado Maine foi afundado
em Havana, matando 260 marinheiros americanos. O incidente,
atribuído aos espanhóis, causou
revolta nacional. Ajudou a nos colocar em guerra com a Espanha e
prometeu tornar-se uma data que
viveria para sempre na infâmia.
Porém, no centenário do afundamento, em 15 de fevereiro de
1998, a maioria dos americanos se
esquecera do Maine. Hoje, 15 de
fevereiro é um dia comum.
Tanto Pearl Harbor quanto o 11
de setembro foram ataques surpresa, golpes perversos desferidos
sem aviso prévio. Mas existem diferenças importantes entre eles.
Pearl Harbor representou um
ataque de um Estado soberano
contra outro. O alvo era a Marinha americana, sabíamos quem
era o inimigo e sabíamos que as
consequências do ataque nos envolveriam numa guerra global.
Em 11 de setembro, não fomos
atacados por um Estado soberano. O alvo era a moral civil americana. Os ataques não nos comprometeram com uma guerra entre Estados soberanos.
O inimigo saiu das sombras para nos golpear e fugiu novamente
para as sombras, e os ataques nos
forçaram a empreender uma ação
policial contra conspiradores
clandestinos e os países que lhes
dão guarida, não a mobilização
total de uma Terceira Guerra.
Houve uma diferença entre os
dois, também, no que diz respeito
ao impacto deles sobre os americanos. Afinal, Pearl Harbor aconteceu numa ilha distante no meio
do Pacífico. Já os ataques da Al
Qaeda geraram um sentimento
de vulnerabilidade até então desconhecido pelos americanos.
Quem sabe onde Osama bin Laden pode atacar da próxima vez?
Hoje em dia, inspetores olham
com desconfiança para os sapatos
de passageiros nos aeroportos, e
passageiros olham com desconfiança para outros passageiros. Se
o secretário da Justiça americano
conseguir seu intento, todo americano vai passar a desconfiar de
todos os outros americanos.
Naturalmente, as pessoas sentem que seu mundo mudou para
sempre. Mas será que vão continuar a sentir isso, sempre? Isso
depende da guerra contra o terror, o que significa que conservamos um certo grau de capacidade
de determinar nosso futuro.
Hoje temos pela frente mais ou
menos a mesma escolha do início
da Guerra Fria. Naquela época, alguns defendiam a contenção para
fazer frente à hostilidade soviética. Outros eram a favor da destruição do poderio soviético, por
meio de uma guerra preventiva.
As democracias fizeram a escolha sábia, nas palavras de George
Kennan, pela "contenção a longo
prazo, paciente, mas firme e vigilante", que, ao final dos anos 80,
levou, conforme previra Kennan
em 1947, à quebra do poderio soviético, sem a Terceira Guerra.
Hoje, a guerra contra o terror
causa discussão comparável -se
bem que não seja tão comparável
assim, já que nenhum inimigo de
estatura semelhante se perfila à
nossa frente. Não foi comprovado
nenhum vínculo entre o extremista religioso Bin Laden e o secular Saddam Hussein.
Apesar disso, Saddam, devido
ao suposto fato de possuir armas
de destruição em massa, tornou-se o maior alvo da guerra contra o
terror. É o pivô do "eixo do mal"
descrito pelo presidente Bush.
Nosso presidente declarou como objetivo nacional a "mudança
de regime" no Iraque, e informações sobre planos militares vazam
diariamente do Pentágono.
Diferentemente da Guerra do
Golfo, que foi, em essência, bancada por Arábia Saudita, Kuait e
Japão, nós teríamos de pagar por
esta guerra, e o impacto econômico disso pode ser desastroso. E
travaríamos esta guerra em grande medida sozinhos. Nossos supostos amigos no Oriente Médio
se opõem à ação militar.
Ademais, tal guerra poderia gerar o grande inimigo que ainda
não temos. Se bombardearmos e
invadirmos o Iraque, se desestabilizarmos os países árabes, se permitirmos que Israel negue aos palestinos um Estado, correremos o
risco de unir o mundo muçulmano contra nós e desencadear o tão
temido "choque de civilizações".
Isso poderia levar à Terceira
Guerra, conflito pavoroso que envolveria guerra biológica, química e até mesmo nuclear. Se essas
consequências se concretizarem,
então 11 de setembro será, de fato,
uma data que viverá na infâmia.
Por que correr esses riscos?
Uma característica espantosa do
ano que se passou vem sendo nossa aceitação passiva da idéia da
guerra preventiva. Igualmente espantosa é nossa aceitação passiva
da idéia de que a decisão em favor
da guerra cabe a Bush -como se
o artigo da Constituição que confere ao Congresso o poder exclusivo de autorizar guerra, tivesse
sido cancelado misteriosamente.
A guerra preventiva se baseia
numa ilusão: a de que seria possível prever o que está por vir. Mas a
história possui um hábito preocupante de passar a perna em todas
as nossas certezas.
Por que não, portanto, tentarmos a contenção, que nos possibilitou vencer a Guerra Fria? É pouco provável que Saddam ataque
outros países, pois estaria se colocando à mercê de Bush. A retaliação será imediata, e Saddam não
pretende cometer suicídio.
O terrorismo, como tal, jamais
desaparecerá. Mas, com a contenção das conspirações globais, será
dirigido principalmente contra
governos específicos e operará no
interior de Estados específicos.
Até mesmo os EUA têm seus terroristas próprios, nascidos aqui.
Nós, americanos, podemos
aprender a conviver com o terrorismo em escala menor, como
Reino Unido, Espanha, Índia, Irlanda, Itália, Rússia, Sri Lanka e a
maior parte do mundo. Com isso,
garantiremos que 11 de setembro
não conduza à Terceira Guerra.
Se a contenção, em lugar da
guerra preventiva, for nossa escolha, então a catástrofe do World
Trade Center vai começar a perder espaço na memória coletiva
da república, como aconteceu
com o afundamento do Maine.
Mas ela não apagará o horror
puro e simples do assassinato em
massa de pessoas inocentes, nem
o heroísmo dos bombeiros e policiais. Essa memória vai permanecer conosco por muito tempo ainda e deve renovar nossa confiança
no vigor da promessa americana.
Arthur Schlesinger Jr. é escritor e historiador e foi assessor especial do presidente John F. Kennedy.
Tradução de Clara Allain
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