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O FUTURO
Especialistas ouvidos pela Folha não consideram que os atentados terroristas contra os EUA tenham representado uma mudança significativa no cenário mundial. Para eles, a relação de forças entre as potências planetárias não foi alterada. Na prática, dizem, a originalidade
da estratégia americana está na revitalização de um discurso maniqueísta, como o da Guerra
Fria, que deixa apenas aos EUA a definição do que é terrorismo
Para europeus, história não muda
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O 11 de setembro é um marco da
história americana, mas não representou grande coisa para o
conjunto da história mundial, segundo analistas franceses ouvidos
pela Folha. Para eles, tudo o que
se passou após daquela data, na
cena internacional, não é senão
um desenvolvimento do que já estava em processo antes.
Essa conclusão está também
nos principais livros sobre o assunto que vêm sendo lançados na
França. No país, como em toda
parte do mundo, o "11 de setembro, um ano depois" é um imenso
evento midiático.
"O 11 de setembro não foi foi
uma revolução estratégica -e,
globalmente, o mundo é, um ano
depois, o mesmo que ele era um
ano antes. Não houve uma mudança fundamental da relação de
forças entre as potências", diz o
cientista político Pascal Boniface,
diretor do Instituto de Relações
Internacionais e Estratégicas.
"Da mesma forma que o isolacionismo americano não evitou o
ataque de Pearl Harbor, o seu unilateralismo não está ao abrigo do
mundo exterior. A grande lição
do 11 de setembro é que a face trágica da mundialização faz com
que os acontecimentos em lugares mais recônditos, como o Afeganistão, repercutam no coração
do mundo, como em Nova York."
Para o cientista político Oliver
Roy, há apenas duas verdadeiras
novidades no 11 de setembro: o
ataque ao Afeganistão e a redefinição do discurso estratégico
americano. "Os EUA jamais atacariam o Afeganistão não fosse o
11 de setembro."
A campanha no Afeganistão
modificou o equilíbrio estratégico
na Ásia Central, mas ficou limitada ao plano regional. "A guerra levou o Paquistão a renunciar à
postura que tinha adotado após a
chegada ao poder do general Zia
ul-Haqq em 1977 (utilizar o islamismo radical como instrumento
de influência regional). O agravamento da tensão na Caxemira e a
relativa estabilização da Ásia ex-soviética também são consequências dessa intervenção."
Para Roy, a luta antiterrorista e
o "eixo do mal" também não
apresentam nenhuma novidade
-a expressão lembra o "império
do mal" com que Ronald Reagan
qualificava a Rússia. A guerra
contra o terrorismo, na sua opinião, apenas reformula "decisões
já tomadas em relação ao Oriente
Médio, à Rússia e à Otan".
O "eixo do mal" de George W.
Bush é, para Roy, desenlace da
política de "Estados delinquentes" da época de Clinton. "Paquistão, Egito e Arábia Saudita, que
forneceram a massa de militantes
da Al Qaida, continuam aliados,
enquanto o Irã, que não deu nenhum, vira o maior inimigo."
A originalidade da estratégia
americana está na revitalização de
um discurso maniqueísta, como o
da Guerra Fria. Esse discurso reideologiza os conflitos atuais, separando o mundo em dois campos e deixando apenas aos EUA a
definição do que é terrorismo.
"Ele dá a um país que tem a hegemonia de fato o discurso de discriminação e de classificação dos
conflitos que lhe faltava."
É o que Roy chama de "a nova
doutrina americana". "O 11 de setembro transformou o equilíbrio
estratégico mundial unicamente
na medida em que levou a hiperpotência americana a redefinir a
ameaça e, portanto, sua estratégia
futura. Mas nenhuma das outras
potências chegou a essa mesma
conclusão. Os europeus, com ou
sem razão, consideram a ameaça
terrorista como fazendo parte da
paisagem e não realizam senão
melhorias de segurança", analisa.
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