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AS FINANÇAS
Os estragos provocados pela euforia coletiva da nova
economia, pelo otimismo com a "exuberância irracional" das Bolsas e
com seus preços extraordinários e pelos aumentos infinitos de produtividade estão causando um dano econômico infinitamente maior que os
atentados de 11 de setembro de 2001, orquestrados por Osama bin Laden
Bin Laden afetou pouco a economia
VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE DINHEIRO
Algumas dúzias de executivos e
banqueiros de Nova York podem
ser a ameaça mais perigosa à economia mundial que o saudita
Osama bin Laden e sua tropa de
assassinos malucos. Um ano depois, assim é que parece o efeito
dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 sobre as finanças
e a produção do planeta.
Isto é, as ilusões, as fraudes e os
crimes da bolha financeira (1995-2000), que ficaram muito evidentes a partir da quebra da empresa
de comércio de energia norte-americana Enron, em dezembro
de 2001, tiveram influência central no desempenho da economia
nestes últimos 12 meses. Bin Laden causou estragos, mas não do
tipo "sistêmico", como os economistas gostam de dizer.
Ainda assim, um exame mais
detalhado dos acontecimentos
subterrâneos das finanças nas
duas semanas depois dos atentados ensina um pouco sobre as finanças globais: sobre como é
grande o poder do banco central
dos Estados Unidos, o Federal Reserve. Aprende-se mais uma vez
como se tornou flexível, disciplinado, mais informado e, portanto, menos inseguro, o sistema financeiro internacional (que já havia dado mostras de sua resistência no "crash" da Bolsa de Nova
York em 1987, e na quebra de um
gigantesco fundo especulativo, o
LTCM, na crise russa de 1998).
Um exame do que se seguiu meses depois, porém, mostra que a
economia mundial está sujeita a
riscos muito maiores que o de terrorismo. As finanças e a atividade
produtiva do planeta estão sujeitas a crises tão velhas como o capitalismo industrial, tais como as de
excesso de capacidade produtiva,
ou ainda mais antigas, como bolhas e especulação financeira irracional.
A opinião mais comum, horas e
até semanas depois dos atentados, era que Bin Laden havia sido
capaz de aumentar o risco de recessão global. Um evento catastrófico, de resto dirigido contra o
centro das finanças do mundo,
pode causar, de imediato: a) uma
queda na confiança de empresários e consumidores (que investem menos e compram menos);
b) uma quebra da cadeia de pagamentos (calotes e quebras, entre
bancos, empresas, fundos de investimento etc); e c) o aumento da
percepção de risco, que leva investidores a colocar menos dinheiro no mercado e a exigir taxas
de juros maiores.
Cada um desses fatores pode fazer a economia andar mais devagar. Combinados com força total,
provocam um colapso catastrófico. Por que quase nada disso
aconteceu?
O dinheiro de Greenspan
Com os ataques, a confiança do
consumidor e dos empresários
nos países ricos (EUA, União Européia e Japão) caiu imediatamente a um nível bem baixo, próximo ao da recessão do início dos
anos 80 nos Estados Unidos ou ao
da invasão do Kuait pelo Iraque,
em 1990. Mas, antes mesmo do
início de 2002, a confiança havia
voltado a um nível até superior ao
que estava em agosto de 2001.
O valor das empresas nas Bolsas
(o preço das ações) recuperou-se
ainda em novembro. A volatilidade das Bolsas (variação ao mesmo
tempo grande, contínua e irregular do preço das ações ou de outros ativos financeiros), que pode
afastar investidores dos mercados
ou pelo menos torna seus negócios mais arriscados, voltou ao
patamar pré-atentados mais ou
menos no mesmo mês.
Ainda não há muitos estudos
detalhando os motivos da melhora espetacularmente rápida do
ânimo de todos esses agentes econômicos. Mas o fato de não ter havido nenhuma -nenhuma mesmo- perturbação financeira
maior foi fundamental. A causa
disso foi a ação coordenada pelo
banco central dos Estados Unidos, o Fed, presidido por Alan
Greenspan.
Basicamente, o Fed não deixou
faltar dinheiro nos Estados Unidos e na Europa, relaxou regras
do mercado de ações (Bolsas) e de
disciplina financeira dos bancos e
até cobriu cheques no valor de
US$ 23 bilhões de dólares enquanto era infernal a confusão no
sistema. Os bancos puderam diminuir suas reservas e foram
orientados a rolar empréstimos
de clientes em dificuldades. As
empresas puderam recomprar
suas ações acima dos limites legais permitidos (o que ajudou a
Bolsa a se recuperar).
De modo direto ou indireto, por
meio de vários e complicados instrumentos financeiros, na primeira semana pós-atentados, o Fed
colocou, além da oferta normal de
liquidez, cerca de US$ 85 bilhões
(o equivalente a um sexto do PIB
brasileiro) no sistema financeiro
americano, sem contar as dezenas
de bilhões de créditos para Europa e Canadá. Como toque final, o
Fed reduziu a meta da taxa de juros básica dos EUA numa velocidade quatro vezes superior à prevista pelo mercado (até o fim do
ano). Não houve quebras devido a
problemas financeiros. Houve dinheiro de sobra, e rápido.
Bush ajudou?
O Tesouro dos Estados Unidos
também ajudou, mas a injeção
desse dinheiro na economia provavelmente teve mais influência
no rápido surto de otimismo do
começo de 2002 do que na contenção direta de uma catástrofe
econômica pós-atentados.
Em ajuda direta, isenção de impostos e aumento de seguro-desemprego, o caixa do governo federal americano terá desembolsado, nestes últimos 12 meses, cerca
US$ 110 bilhões. O gastos militares também aumentaram, 9,5%,
no último trimestre do ano. Mas
tal esforço parece ter sido tragado
por problemas de fundo da economia americana e mundial, como tem se visto nos dois últimos
trimestres deste ano.
O fim da bolha
"Poucos meses depois, os efeitos econômicos diretos [dos atentados] pareciam em grande parte
ter desvanecido", afirma um dos
melhores estudos sobre o caso,
"As Consequências Econômicas
do Terrorismo", preparado por
Patrick Lenain, Marcos Bonturi e
Vincent Koen para a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico).
O relatório anual do Bank for
International Settlements (BIS),
publicado em 8 de julho de 2002,
um dos melhores balanços anuais
da economia global, era tão otimista que não só o choque dos
atentados parecia não afetar a retomada do crescimento mundial
mas também os da Enron, da Argentina e o da guerra no Oriente
Médio pareciam ter perdido sua
força (o BIS é o Banco para Compensações Internacionais, conhecido como o "banco central dos
bancos centrais", sediado na Basiléia, cidade da Suíça).
Depois de publicados esses estudos, soube-se, por meio de revisões de estatísticas, que a economia norte-americana havia se enfraquecido muito mais que o imaginado a partir do segundo trimestre de 2001.
Tendências negativas que a bolha dos mercados e de consumo
(valorização excessiva e não sustentável de preços de ações e rendimentos das famílias) nublavam,
como a queda dos lucros e o excesso de capacidade produtiva e
de investimento, estavam em curso desde 1998.
Basicamente, havia produção e
produtores demais, concorrência
demais (o que baixa os lucros),
emprego demais (o que aumenta
os rendimentos das famílias, mas
não necessariamente o das empresas) e ilusões demais sobre o
volume do consumo futuro de alta tecnologia (tecnologia de informação, telefonia, computadores).
O preço da energia subiu e tolheu
ainda mais os lucros. Algumas
empresas começaram a quebrar
ou ter dificuldade de pagamentos.
Em decorrência, os juros dos financiamentos de algumas empresas subiram.
Os investidores passaram a desconfiar que os preços pagos pelas
ações não seriam compensados
pelos rendimentos dessas ações
(que derivam do lucro das empresas). O castelo começou a desmoronar. Com os investidores fugindo das Bolsas (dando início ao fim
da bolha, que começou em março
de 2000) , o financiamento para as
empresas começou a secar. As dificuldades financeiras de grandes
empresas (que apostaram na alta
contínua do consumo de alta tecnologia, basicamente) aumentaram. O ciclo de euforia alimentado pelas Bolsas e pela nova economia acabou.
Os consumidores gastam
Para espanto de muitos analistas, a queda não foi violenta. Embora os europeus tenham fechado
suas carteiras (não se sabe bem o
motivo), os consumidores norte-americanos continuaram confiantes (isto é, gastando), apesar
de sua riqueza financeira ter diminuído com a queda do preço das
ações (boa parte da poupança e da
previdência privada das famílias
norte-americanas está nas Bolsas). A queda dos juros básicos,
promovida pelo Fed, diminuiu os
gastos das famílias com a hipoteca
(financiamento) dos seus imóveis, cujos valores também têm
subido (o que estaria compensando o "efeito pobreza" financeiro
das perdas com o investimento
em ações). Comprar carros novos
a crédito também ficou de graça,
o que manteve a indústria americana algo acima do nível de contração da produção.
Parênteses sobre a nova bolha:
começa a se discutir nos EUA o
perigo da bolha imobiliária. Isto é,
uma valorização desmedida de
propriedades imobiliárias, que
serviriam de base para financiar
gastos. Se desinflada, a bolha imobiliária criaria uma onda de calotes, pois parte das garantias dos financiamentos escorados em valor de imóveis desapareceriam.
Ganância infecciosa
Mas uma nova onda de choques
e a ausência de uma nova onda de
investimentos (como aquelas estimuladas pelo surgimento de novas tecnologias, como a internet)
parecem segurar a retomada do
crescimento nos Estados Unidos,
motor da economia mundial.
Os novos choques foram causados por gente financeira e economicamente muito mais perigosa
que Bin Laden e seus esquálidos
seguidores. Trata-se dos sujeitos
da "ganância infecciosa", na expressão de Alan Greenspan, os
banqueiros e executivos de Wall
Street. Ao longo deste ano, descobriram-se crimes financeiros claros e também como se maquiaram de maneira "quase ilegal" (e
sistemática) os balanços das empresas do período da bolha.
Lucros falsos dão indicações falsas de onde seria melhor investir,
pois multiplicam os preços de
ações e de empresas sem que estas
estejam de fato crescendo, vendendo mais. Trata-se de uma quebra de confiança nos pontos centrais para a eficácia de uma economia de mercado: o sistema de
preços e os contratos.
A onda de escândalos financeiros aumentou a desconfiança, o
risco e, em decorrência, o custo de
investir. Diminuiu a oferta de dinheiro no sistema financeiro internacional (o que tem afetado
muito o Brasil), os juros subiram.
Uma economia de famílias, empresas e países endividados, com
capacidade excessiva de produção, e em que aumenta a inadimplência (até por excesso de investimentos sem retorno) ficou ainda mais frágil.
Pode não sobrevir a recessão
global que se anteviu depois dos
atentados de Bin Laden. Mas os
danos causados pela euforia coletiva da nova economia, pelo otimismo com a "exuberância irracional" das Bolsas, seus preços extraordinários e pelos aumentos
infinitos de produtividade estão
causando um dano infinitamente
maior que o massacre terrorista
de 11 de setembro de 2001.
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