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PERDA
Quando ruiu a primeira torre do World Trade Center, o pai de Ivan Kyrillos Fairbanks
Barbosa, que via tudo pela TV, imaginou que o filho de 30 anos, "metido", pudesse estar por perto e se ferir com os escombros. Não: Ivan estava no 105º andar. Até tomar conhecimento da morte do rapaz, a família passou por momentos desesperadores, contou o médico Barbosa à Folha.
"Fiquei como um louco vendo qualquer coisa que aparecesse na TV para tentar achar um rosto"
Brasileiro narra perda do filho no WTC
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Ivan Kyrillos Fairbanks Barbosa
gostava de situações perigosas.
Segundo seu pai, Ivan Fairbanks
Barbosa, 61, diretor da clínica de
otorrinolaringologia do Hospital
Beneficência Portuguesa de São
Paulo, sempre foi assim: "Ele
montou em boi, pulou de pára-quedas, correu de automóvel..."
Tanto que, quando ruiu a primeira torre do World Trade Center, seu pai, que a tudo assistia por
uma TV no consultório, imaginou que o filho, "metido", pudesse estar ali por baixo e corresse o
risco de ser atingido pelos destroços. Não, Ivan, 30, encontrava-se
no 105º andar. Administrador de
empresas, ele trabalhava como
corretor no mercado de ações de
Nova York havia dois anos.
Ivan Barbosa mantém, ao falar
do assunto, a atitude que se imagina em um cientista: raciocínio
claro e domínio das emoções.
Afinal, ele está acostumado a lidar com a lógica e as relações de
causa e efeito. Mas nem a lógica
nem essas relações permitem que
entenda que o lugar mais seguro
do mundo -ele chegou a achar
isso- tenha desabado diante de
seus olhos com o filho dentro.
"Não dá para explicar", disse.
Folha - Seu filho teve apoio da família quando foi para os EUA?
Ivan Fairbanks Barbosa - Por incrível que pareça, ninguém
apoiou porque faltou tempo para
isso. Ele era um rapaz muito
agressivo no trabalho, cutucava
aqui e ali para subir. Ele desapareceu um fim de semana, reapareceu aqui na quarta-feira, me trouxe este presente [segura uma miniatura das Torres Gêmeas] e me
disse: "Vou trabalhar aqui". Eu
achei ótimo. Se viesse hoje outra
vez eu o aconselharia a ir mesmo.
Folha - Em qual das duas torres
ele trabalhava?
Barbosa - Naquela que foi atingida primeiro. Eu estive lá, fomos
tomar aquele aperitivo de fim de
tarde no alto. Lá, eu pensei: este
deve ter lugar mais seguro no
mundo...
Folha - Pensou isso lá no alto?
Barbosa - Claro!
Folha - O que o sr. estava fazendo
no momento do atentado?
Barbosa - Eu estava atendendo
aqui no consultório e passei a ver
desde o começo nesta TV [mostra
um monitor de 14 polegadas normalmente utilizado para realização de exames]. Primeiro eu tive
um choque, mas liguei para a mãe
dele, e ela me disse para eu me
acalmar, porque alguém tinha encontrado com ele em baixo. Eu fiquei vendo horrorizado, mas
achando que o menino estivesse
fora daquilo. Fiquei muito preocupado quando o prédio caiu,
porque, como ele tinha espírito
aventureiro, gostava de perigo,
pensei: o metido está lá e pode ser
atingido por destroços. Depois
disso ficamos ligando para a casa
dele. No dia seguinte, ainda sem
notícia, pensei: alguma coisa realmente séria aconteceu.
Folha - O que o sr. fez então?
Barbosa - Parei de trabalhar e fiquei como um louco vendo qualquer coisa que aparecesse na televisão para tentar encontrar um
rosto ou alguma outra coisa.
Folha - Como foi esse momento?
Barbosa - Desesperador. Eu não
conseguia sair da frente da televisão o dia inteirinho.
Folha - Quando o sr. teve a certeza de que havia ocorrido o pior?
Barbosa - Não sei exatamente
quantos dias depois veio a seguinte informação: ele estava no telefone negociando ações e falou que
tinha acontecido alguma coisa no
prédio e que teria de descer. Ele
estava no andar 105. O avião entrou abaixo. Se você pensar friamente, não há hipótese. O andar
inteiro foi cortado, e a temperatura foi calculada em 800, 900 graus.
Ninguém desceu. Não existe possibilidade de corpo, de pó, de pedaço, de nada disso. Demorou para essa ficha cair...
Folha - Quantos dias?
Barbosa - Foi preciso tempo para raciocinar com a cabeça. Além
disso, tem as pessoas que não são
legais. Aí começa: "Olha, eu vi ontem seu filho na televisão, eu soube que tem um brasileiro andando desmemoriado no Central
Park...". É igual a bruxa, você não
acredita, mas se preocupa.
Folha - Isso tornou o processo
mais difícil?
Barbosa - Isso deixa a gente incomodado, porque, por um absurdo qualquer, ele poderia mesmo estar mesmo por lá.
Folha - O sr. recebeu algum tipo
de apoio não material do governo
norte-americano?
Barbosa - A mãe dele foi para lá e
recebeu tratamento excepcional.
Acho que, por causa dessa história de viver em guerra, o americano cultua essas homenagens.
Folha - E no aspecto material, está sendo cumprido aquilo que foi
acordado?
Barbosa - Não existe nenhum
acordo com as famílias. Ele trabalhava numa firma grande e muito
idônea, a corretora Cantor Fitzgerald, que tem um advogado
acompanhando esses processos.
Folha - O processo está andando?
Barbosa - Deve andar, porque é
um processo legal. Recentemente,
veio da Prefeitura de Nova York
um pedido de material meu para
exame de DNA.
Folha - O exame é para tentar fazer algum tipo de identificação?
Barbosa - Eu acho que é mais para fechar um processo. Porque
não existe possibilidade de você
pegar o DNA de quem estava lá
em cima. Já me falaram que talvez
tenha indenização, mas ninguém
da família está ligado nisso.
Folha - Quando o sr. falou com o
seu filho pela última vez?
Barbosa - Não lembro se ele ligou na sexta ou na segunda [7 ou
10 de setembro] preocupado com
uma proposta que recebeu que ia
ser boa para a carreira dele. Ligou
muito animado.
Folha - O sr. nunca mais voltou a
Nova York?
Barbosa - Não tenho mais vontade. Eu soube até que a Cruz Vermelha estava oferecendo viagens
aos parentes das vítimas. Se fosse
uma viagem de homenagem eu
iria, mas só para ver ou passear,
não existe hipótese.
Folha - O sr. não tem ao menos curiosidade de ver como ficou o local
das torres?
Barbosa - Não, não.
Folha - Como o sr. avalia as investigações e ações realizadas pelo
governo dos EUA?
Barbosa - A religião do nosso
país, a católica, tende a abafar tudo que você tem de agressividade,
coisas normais do ser humano.
Então, o que vem dessa sua pergunta é o seguinte: perdoa-se esse
cara ou não se perdoa?
Folha - Quem, Bin Laden?
Barbosa - Sim, ao que tudo indica só pode ser o Bin Laden, não
existe dúvida de que aquela Al
Qaeda tenha responsabilidade.
Mas se perdoa um cara desse ou
não? A tendência do brasileiro é
passar por cima, uma atitude tida
hoje como politicamente correta.
Mas eu acho que atrás dela vem
uma irresponsabilidade brutal.
Esse cara tem de ser caçado, só
que estão acontecendo coisas
com as quais ninguém pode concordar. Pegue o sujeito e o torture.
Eu mesmo gostaria de torturar. Só
que bombardear aldeia com inocentes não tem relação nenhuma.
Uma coisa não justifica a outra.
Folha - O que o sr. pretende fazer
neste dia 11 de setembro?
Barbosa - Deve haver uma missa
pequena, para a família. E eu estou fazendo minha cabeça para
saber se assisto ou não ao especial
da televisão. Eu peguei todas as
revistas e jornais [da época do
atentado] para um dia ver. Eu tenho dificuldades de olhar as fotos.
Vou ver se crio coragem agora.
Folha - Falar a respeito do assunto ajuda?
Barbosa - Não é para mim, é para ele. Uma homenagem, uma recordação. Não é uma terapia,
mesmo porque eu ainda não peguei meu prumo. Eu não tenho
experiência nisso. Deve melhorar
um dia...
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