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Tom, o arquiteto do mínimo
Com a obra de Tom Jobim, a civilização brasileira resolve-se a si mesma em chave nova, tecnicamente avançada e metafisicamente leve. O resto é mar
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Um cantinho, um violão/ Este amor, uma canção..." Quase
todo mundo, em quase todo o
mundo, conhece este cantinho e
esta canção. De tão conhecida,
nem sempre se percebe o quanto exibe de sabedoria, musical e
poética. Composta em 1960,
com letra e música de Tom Jobim, "Corcovado" serve bem de
exemplo daquele artesanato
moderno na criação de canções
que define a bossa nova, que define uma idéia do Brasil, que define até hoje uma idéia ou um
sonho de nós mesmos.
São só duas notas, oscilando
para lá e para cá: "Mi-ré-mi-ré,
mi-ré-mi/ mi-ré-mi, ré-mi-ré-mi...". Tocadas a seco, sem harmonia e sem acentos, nem chegam a ser uma melodia: parecem apenas material bruto, mera repetição do intervalo de segunda maior, que qualquer
criança poderia tocar na primeira aula de piano.
Assim funcionam várias canções de Tom Jobim dessa fase,
que vai de fins da década de 50 a
meados da década de 60 -a bossa nova foi curta. "Insensatez",
por exemplo (de 1961, parceria
com Vinicius de Moraes), que
repete também duas notas, um
intervalo de segunda menor:
"Ah, insensatez/ Que você fez..."
(mi, fá-mi-fá-mi/ fá-mi-fá-mi...).
Para não falar do exemplo mais
radical, o auto-explicativo
"Samba de uma Nota Só" (1960,
com Newton Mendonça), cuja
ironia maior está na segunda
parte, com todas as notas da escala vertiginosamente subindo
e descendo, contrapostas à "nota só" de antes.
O milagre, que transforma algo tão simples em música tão
incrível, tem a ver com as harmonias, por um lado, que vão
colorindo de sentidos cambiantes essas poucas notas repetidas
e, por outro, com a prosódia, a
relação entre palavra e melodia,
que confere acentos rítmicos
inesquecíveis a cada pedaço de
melodia e significados afetivos
não menos impossíveis de esquecer.
A mitologia de imagens e costumes da bossa nova -o cantinho e o violão-, artificiosa e generosamente inventada por
seus próprios artistas, mais tarde repetida até a náusea em versões publicitárias, ajudava a esconder a arte na arte, e afinal
lançava essa arte a um outro
plano, avesso a qualquer exibição de autoconsciência.
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