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Jazz & samba
A vertente instrumental da bossa criou um paraíso musical nos inferninhos cariocas e bares paulistanos; era um barulho danado de bom!
NELSON MOTTA
COLUNISTA DA FOLHA
Depois da batida de violão de
João Gilberto e de sua nova forma de cantar, com um mínimo
de volume e um máximo de ritmo e precisão, a música brasileira nunca mais foi a mesma.
Cantar alto e forte, arranjos e
interpretações grandiloqüentes, estavam fora de moda. Assim como as grandes vozes da
rádio Nacional, os boleros e
sambas-canções, os sambões
nacionalistas e as cançonetas
brejeiras.
A juventude -que ansiava
por uma música para chamar
de sua- "encontrou Jesus"
com a bossa nova. E também os
músicos, especialmente os
mais modernos e sofisticados,
que só ouviam e tocavam jazz
americano. Na bossa nova eles
encontravam um novo repertório de canções, ritmos e harmonias, que lhes permitia usar
uma linguagem jazzística e improvisar à vontade. As novas
músicas de Tom Jobim e Newton Mendonça estavam para os
músicos brasileiros como os
standards de Cole Porter e
Gershwin para os músicos de
jazz: viravam temas jazzísticos
para os instrumentistas que tocavam na noite do Rio e de São
Paulo na virada dos anos 60.
Uma geração de músicos extraordinários -como os pianistas Sergio Mendes, Luiz Eça e
Cesar Camargo Mariano, os bateristas Edison Machado e
Dom Um Romão, o saxofonista
J.T. Meirelles, o trombonista
Raul de Souza, o baixista Luiz
Chaves- deixava de acompanhar crooners e ganhava o centro dos pequenos palcos com
sua música, enchendo as noites
cariocas e paulistanas de música brasileira moderna, com linguagem jazzística: nascia o
samba-jazz, ou o jazz-samba.
Fina flor do suingue
O Bottle's Bar, o Dominó, o
Little Club e o Manhattan eram
os principais dentre os muitos
pequenos bares que se aglomeravam no Beco das Garrafas e
no Beco do Joga-a-Chave-Meu-Amor, em Copacabana,
onde se juntava a fina flor dos
músicos cariocas e de visitantes. Pequenos bares com mesinhas e uísque freqüentemente
falsificado, apelidados de "inferninhos", onde se apertavam
50 ou 60 pessoas para ouvir
aquela música que surgia com a
bossa nova. Ao mesmo tempo,
era o inverso do intimismo e do
minimalismo bossanovistas.
Poderosos trios, como o Bossa Três, de Luiz Carlos Vinhas,
o Som Três, de Cesar Mariano,
o Tamba Trio e o Zimbo Trio,
tocavam alto e forte, com muito
suingue, longos solos e exuberantes improvisos, agradando
tanto ao antigo e restrito público de jazz como aos novos e numerosíssimos fã da bossa nova.
Em São Paulo, a Baiúca, o Cave e o João Sebastião Bar concentravam os melhores instrumentistas da nova onda musical e recebiam novos talentos,
como o genial albino alagoano
Hermeto Pascoal, que pouco
depois tocaria, gravaria e mereceria grande respeito e admiração do gênio Miles Davis.
A bossa nova era um banquinho e um violão; o samba-jazz,
ou jazz-samba, uma bateria
cheia de pratos, um baixão
suingado, um piano pontuado
por acordes dissonantes e improvisos livres, saxes, trombones, trompetes, um barulho danado, danado de bom! Essa improvável, contraditória e sedutora mistura de estilos foi chamada até de "heavy bossa" por
um crítico francês, que foi muito criticado na época, mas hoje
se vê que sua definição não estava longe do que se ouvia.
O esplendor máximo do samba-jazz, ou jazz-samba, é o disco modestamente intitulado
"Você Ainda Não Ouviu Nada"
(1963), do legendário sexteto
Bossa Rio, de Sergio Mendes,
justificado da primeira à ultima
nota pelos arranjos de Antonio
Carlos Jobim e Moacir Santos
para um excepcional repertório brasileiro moderno ("Ela É
Carioca", "Amor em Paz",
"Corcovado", "Desafinado",
"Nanã", "Coisa nº 2", "Garota
de Ipanema"), pelas vibrantes
interpretações e solos do piano
de Sergio, pelo suingue do baixo de Tião Neto, pela bateria de
Edison Machado, pela pegada
do naipe de sopros formado pelos trombones de Raul de Souza
e Edson Maciel e pelo sax tenor
do argentino Hector Costita.
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