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Um cantinho, um mundo
Antes mesmo do célebre concerto do Carnegie Hall, a bossa nova começou a seduzir os músicos americanos com
o ritmo sincopado e as harmonias sofisticadas; hoje, está na seleção de standards do jazz
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No início de maio, ao encerrar o 39º Jazz & Heritage Festival, em Nova Orleans (EUA), a
cantora Dianne Reeves abriu
seu show com um clássico jobiniano: "Triste". Sem anunciá-la, como se estivesse cantando
para uma platéia brasileira,
emendou outra pérola da bossa, "Amor em Paz" (de Jobim e
Vinicius de Moraes), pedindo
palmas para o violão do virtuose carioca Romero Lubambo.
Protagonizado por uma das
grandes intérpretes da cena
atual do jazz, no mais tradicional evento do gênero nos EUA,
esse episódio é sintomático,
não só do prestígio da música
brasileira mas do grau de familiaridade que a bossa desfruta
entre músicos e platéias no
mundo. Hoje ouvem-se clássicos da bossa nos principais festivais e clubes de jazz dos EUA,
do Japão ou da Europa.
O primeiro marco dessa expansão foi o lendário concerto
de bossa nova realizado em 21
de novembro de 1962, em Nova
York. Porém, bem antes de Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra
e Luiz Bonfá, entre outros, entrarem no palco do Carnegie
Hall, jazzistas norte-americanos como Charlie Byrd, Stan
Getz, Herbie Mann, Coleman
Hawkins, Zoot Sims e Curtis
Fuller já vinham flertando com
a bossa em discos e shows, sem
falar nas pioneiras tentativas
do guitarrista Laurindo de Almeida, paulista radicado nos
EUA, de fundir o samba com o
jazz. Para essa aproximação
contribuiu bastante o American Jazz Festival, primeiro
grande evento do gênero realizado no Brasil, responsável pela vinda de alguns desses jazzistas em julho de 1961, com direito a dividir "jam sessions" com
músicos brasileiros.
Ainda que tenha transmitido
à platéia nova-iorquina uma
imagem meio confusa do que
seria a bossa nova, o concerto
no Carnegie Hall ajudou a deflagrar as carreiras internacionais de alguns de seus criadores
e adeptos. Como Sergio Mendes e Oscar Castro Neves, João
Gilberto também fixou residência nos EUA. Em março de
1963, gravou com o saxofonista
Stan Getz o álbum "Getz/Gilberto", que inclui a popular
"Garota de Ipanema", com vocais de Astrud Gilberto. Hoje, é
difícil acreditar que essa gravação fundamental para que a
bossa se tornasse uma febre
mundial tenha passado quase
um ano na gaveta do produtor
Creed Taylor, que duvidou de
seu apelo comercial. Só na época esse disco vendeu mais de
um milhão de cópias -além de
conquistar o Grammy.
Jobim, que participou das
gravações de "Getz/Gilberto",
também viu sua carreira decolar. Durante uma longa temporada nos EUA, gravou álbuns
como "The Wonderful World
of Antonio Carlos Jobim"
(1965) e "A Certain Mr. Jobim"
(67), que o estabeleceram no
mercado internacional como o
maior compositor da bossa nova. Sem falar no álbum que gravou com Frank Sinatra, em
1967, com primorosos arranjos
do alemão Claus Ogerman.
Influência recíproca
Num depoimento a Zuza Homem de Mello, em 1968, Jobim
apontou uma explicação bem
convincente para o interesse
dos norte-americanos pela bossa e pelo samba: "O americano
chama tudo o que balança de
jazz. Nós poderíamos então dizer que o samba é o jazz brasileiro, porque tem também o
crioulo, o branco, a influência
africana, a influência européia.
Todos os elementos que causaram o jazz lá nós temos aqui".
Trata-se, na verdade, de um
caso de influência recíproca. Os
músicos de jazz foram seduzidos pelo ritmo sincopado e pelas harmonias sofisticadas da
bossa nova, assim como a geração de músicos e compositores
que a criou, na década de 50,
havia sido influenciada tanto
pelo jazz moderno de Shorty
Rogers, Barney Kessell e Chet
Baker como por mestres da
canção norte-americana, como
Gershwin, Cole Porter e Richard Rodgers.
Assim é fácil entender como
a bossa foi integrada ao repertório de standards do jazz, relida por clássicos vocalistas e
músicos, como Ella Fitzgerald,
Sarah Vaughan, Oscar Peterson
ou Joe Pass. Mesmo que ela tenha sumido um pouco da cena
do jazz, nos anos 70 e 80, desde
a década passada novos cantores e instrumentistas, como
Diana Krall, John Pizzarelli,
Cassandra Wilson, Brad Mehldau, Karrin Allyson, Jane Monheit e Carmen Lundy, voltaram a namorar as clássicas canções de Jobim e seus parceiros.
Pelo quanto é cultuada, a bossa
parece ter ainda uma longa carreira internacional pela frente.
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