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Na hora de casar, nikkei busca nikkei
TRADIÇÃO Pesquisa Datafolha revela que maioria dos descendentes de japoneses nascidos no Brasil se casa dentro da própria comunidade
MATINAS SUZUKI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
O casamento entre
membros da comunidade nikkei
e a língua japonesa, duas instâncias
fundamentais para a preservação e permanência da sua identidade cultural, ainda são altamente valorizados pelos imigrantes, que começaram a chegar ao país em 18 de junho de
1908, e seus descendentes.
Pesquisa Datafolha na cidade
de São Paulo mostra que 2 em
cada 3 (66%) japoneses ou descendentes que são de alguma
forma casados, que são viúvos
ou separados declaram ter parceiros também pertencentes à
comunidade nikkei (esta denominação foi adotada oficialmente em 1954).
A pesquisa revela uma surpreendente maioria (82%) de
membros que dizem entender
"mesmo que um pouco" o idioma japonês. Quase a metade
(46%) dos japoneses ou descendentes afirma ler e um pouco menos (43%) declara escrever nos difíceis alfabetos japoneses (existem três: os ideogramas kanji, herdados dos chineses, e dois silabários hiragana e
katakana).
Os dados do Datafolha são
novidade e de grande relevância, uma vez que entre os imigrantes a família e a língua, ainda que com as necessárias variações e adaptações locais, foram elementos essenciais para
conservar viva a sensação de
pertencimento ao "Yamato-damashi", o espírito japonês.
As mulheres (68%) dizem se
casar mais com os membros da
própria comunidade do que os
homens (63%). Como recai sobre elas (mães e avós) a responsabilidade pela primeira formação dos filhos, as mulheres
são vistas como a correia de
transmissão dos valores e hábitos para os mais jovens. O fato
de a maioria continuar tendo
como companheiros preferenciais os membros da própria
comunidade talvez ajude na interpretação do grau de permanência da cultura japonesa no
Brasil, cem anos após a chegada
dos primeiros imigrantes.
A taxa de casamentos intracomunidade decresce de geração para geração: era de 90%
entre os nascidos no Japão,
caiu para 69% na segunda geração (nisseis) e para 49% entre a
terceira (sanseis). Essa tendência serve de apoio estatístico
para os estudos que analisaram
a trajetória dos imigrantes,
após a 2ª Guerra Mundial, na
perspectiva de uma integração
total aos hábitos e padrões de
vida tidos como brasileiros.
No entanto, a pesquisa traz
um dado novo: entre os casados, viúvos ou separados mais
jovens (25 a 34 anos), mais da
metade (55%) declara que o seu
parceiro é ou foi da comunidade nikkei. A taxa sobe a 70% entre aqueles que têm entre 35 e
44 anos, um grupo que nasceu
entre 1964 e 1973, período em
que o fluxo imigratório do Japão para o país era decrescente.
Esses dados indicam um grau
de endogamia um pouco maior
do que os obtidos pela "Pesquisa da População de Descendentes de Japoneses Residentes no
Brasil", divulgada em 1988 pelo
Centro de Estudos Nipo-Brasileiro, que mostrava que o percentual de casamento intracomunidade era de 57,3% na cidade de São Paulo e de 61,5% na
Grande São Paulo.
A pesquisa do Datafolha,
duas décadas depois, levanta a
hipótese de que a permanência
ou a recriação de valores tradicionais japoneses na cidade de
São Paulo talvez seja mais forte
do que a imagem de integração,
reforçada pelas atuais comemorações do centenário da imigração, deixa transparecer.
Mercado matrimonial
O número de casamentos entre membros da comunidade
nikkei é menor na faixa de
maior renda (57%) e com maior
escolaridade (56%). Essas cifras estão em sintonia com os
estudos que mostram que os
imigrantes japoneses encontraram na formação universitária uma maneira de ascender e
se integrar socialmente, notadamente no pós-Guerra.
A professora Sidinalva Maria
Wawzyniak , da Universidade
Tuiuti do Paraná, que realizou
para seu doutorado uma pesquisa que envolve a constituição das famílias japonesas no
Brasil, resgatou um dado interessante. Ela encontrou fontes
indicando que os professores
universitários não japoneses
representavam uma categoria
que encontrava inusitado consentimento para casamentos
com os descendentes, tal o respeito que os japoneses mais velhos tinham pelos mestres
("sensei") do ensino superior.
A importância que a família
tinha no Japão ganhou nova dimensão no caso dos imigrantes
em solo brasileiro: mais membros em uma família significava
mais mão-de-obra para trabalhar na lavoura ou no pequeno
negócio. Como conseqüência, o
tamanho das famílias japonesas do Brasil era bem maior do
que as do Japão.
A própria imigração só poderia ser realizada por famílias de
no mínimo três membros (as
famosas "três enxadas"), o que
gerou a constituição de "famílias arranjadas", também chamadas de "famílias confusas"
-de última hora, juntadas com
o propósito de emigrar.
Como os imigrantes das primeiras viagens vieram com o
propósito de acumular riqueza
para voltar ao Japão, eles procuraram impedir que os filhos
se casassem com pessoas de
outra etnia. E muitos casamentos eram decididos por acordos
entre os pais dos noivos.
Em pesquisa inédita ("Arranjos familiares de japoneses
de quatro gerações") à qual a
Folha teve acesso, a historiadora Célia Sakurai, autora, entre outros, do livro "Romanceiro da Imigração", diz que "as
famílias japonesas se reuniam
em colônias e, por conseguinte,
o convívio entre as famílias era
também muito intenso. A realização de casamentos entre
membros das colônias é uma
decorrência não apenas da proximidade mas da existência de
um mercado matrimonial".
Uma das primeiras estudiosas da vida familiar dos imigrantes japoneses no Brasil, a
antropóloga e ex-primeira dama do país Ruth Cardoso afirma em sua tese de doutorado
"Estrutura familiar e mobilidade social", de 1972, que "para os
japoneses, o processo de cooperação familial vai mais longe,
baseado que está em uma hierarquia sustentada por obrigações morais que submergem o
indivíduo na coletividade. Ainda agora, grande parte dos nisseis aceita os valores que norteiam a educação japonesa tradicional e procura preservá-los
na família".
Sidinalva Wawzyniak acha a
expressão "integração" inadequada (ela prefere "estratégias
de sobrevivência") e diz, em comunicação feita no seminário
"Família e Organização Social
na Europa e América", realizado em dezembro do ano passado na Espanha, que "de todos
os valores que compuseram as
estratégias desenvolvidas pelos japoneses em sua inserção
na sociedade brasileira, a recuperação daqueles que reforçavam os laços de família possibilitou-lhes dominar os códigos e
as regras que os faziam fortalecidos".
Assim, os casamentos dentro
da comunidade nikkei não seriam necessariamente um renegar da integração com os
brasileiros, como pode parecer
à primeira vista, mas uma maneira de dar musculatura à
construção de uma nova identidade, que já não era mais japonesa e nem poderia ser totalmente brasileira.
MATINAS SUZUKI é neto de japoneses. Seus
avós vieram da província de Kumamoto
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