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O petróleo é da nação
DA REPORTAGEM LOCAL
Cinqüenta anos depois da morte de Getúlio Vargas, a Petrobras
ainda é a referência da polêmica,
hoje residual, sobre a questão da
soberania nacional. O órgão centralizou os conflitos entre "nacionalistas" e "entreguistas" nas décadas de 40 e 50, na campanha sob
o lema "O petróleo é nosso".
O nacionalismo sustentou a industrialização por meio da intervenção estatal na economia. A resistência ao projeto nacional-desenvolvimentista e trabalhista está inscrita na carta-testamento de
Getúlio, que aponta uma "campanha subterrânea dos grupos internacionais", aliados a "grupos nacionais revoltados contra o regime da garantia do trabalho".
"À distância, transparece que
Getúlio foi o maior estadista da
história brasileira. Soube encarnar os projetos nacionais. Soube
projetar uma inserção internacional importante do Brasil", diz
Emir Sader, professor de sociologia da USP (Universidade de São
Paulo) e da Uerj (Universidade
Estadual do Rio de Janeiro).
"Com Getúlio, o Estado assumiu
um projeto nacional. A Petrobras
e o BNDES estão hoje na contramão, atrapalham o modelo de internacionalização predominante,
molestam o projeto de liberalização da economia", diz Sader.
"A característica central do legado de Vargas é uma ruptura
com a Velha República, precedida
por uma formulação ideológica: a
figura do "Brasil capaz"", diz Darc
Costa, vice-presidente do BNDES
e ex-coordenador do Centro de
Estudos Estratégicos da Escola
Superior de Guerra. "Por trás da
Revolução de 30, havia a idéia de
que o Brasil só poderia se modernizar se tivesse indústria. O projeto de Getúlio se firmou no tripé
industrialização, urbanização e
integração nacional, decorrente
da Coluna Prestes", diz Costa.
A Companhia Siderúrgica Nacional (1941), exemplo da intervenção do Estado na economia,
surge para garantir o desenvolvimento econômico e a soberania
nacional. O Conselho Nacional do
Petróleo, criado em 1938, primeira iniciativa para regular o setor,
com a nacionalização das atividades das pequenas refinarias, foi
uma vitória das posições nacionalistas de segmentos militares.
"Vargas olhava para a Alemanha, uma nação então forte e industrializada. Cria instituições,
empresas e empregos, mas faz
uma modernização direcionada,
conservadora. Faz acordos com
empresários, nem pensa em distribuir rendas", diz a historiadora
Maria Tucci Carneiro, da USP.
A política cultural, por sua vez,
era marcada pela busca de uma
identidade nacional. "No Estado
Novo, a cultura seria o cerne da
nacionalidade. Entendia-se que
não seria possível reconstruir
uma nacionalidade sem ter como
base a cultura", diz a socióloga
Lúcia Maria Lippi Oliveira, pesquisadora sênior do CPDOC
(Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil, da Fundação Getúlio
Vargas). "O Ministério da Educação é uma peça fundamental no
processo que os intelectuais da
época chamavam de cultura política", diz Oliveira.
A organização do Estado nacional era acompanhada, no campo
social, pela legislação trabalhista,
pela valorização da escola pública
e pela formação da burocracia,
com a criação do Dasp (Departamento Administrativo do Serviço
Público), em 1938. "O estabelecimento dos direitos básicos de trabalho foi uma resposta à urbanização, à industrialização, num período de crescimento econômico
orientado para o mercado doméstico", diz Maria Cristina Cacciamali, professora de Economia
do Trabalho e Políticas Públicas
da USP. "A lição que podemos tirar é a necessidade de o país ter
uma burocracia bem qualificada,
capaz de elaborar e implementar
o planejamento indicativo -não
o planejamento interventor- e a
inclusão social", diz.
O nacionalismo é considerado
uma das causas da queda de Getúlio, que implantou, a partir de
1951, medidas contra os interesses
estrangeiros: a criação da Petrobras e do monopólio estatal do
petróleo; a legislação que restringia as remessas de lucros das empresas estrangeiras e a política de
substituição de importações, taxando produtos importados que
tinham similares nacionais.
"Gostemos ou não, Vargas teve
um papel importante na história",
diz Marieta de Moraes Ferreira,
doutora em história do Brasil e diretora do CPDOC.
"A discussão do papel do Estado e de um novo projeto de nação
está em pauta", afirma Moraes, ao
analisar "a permanência da figura
de Vargas".
(Frederico Vasconcelos e Marcelo Billi)
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