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Para Palocci, Getúlio criou disciplina fiscal
Ministro diz que PT é fruto de rompimento com sindicalismo oficial
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho, aponta como uma
das características mais marcantes dos governos Vargas o equilíbrio fiscal -justamente o aspecto
mais perseguido na política econômica do PT.
Para Palocci, "não há evidência
de que regimes autoritários consigam impulsionar o desenvolvimento econômico com mais rapidez". Um dos aspectos relevantes
do getulismo foi o "conceito do
necessário esforço nacional de desenvolvimento".
Homem mais forte do governo
Lula no momento, o ministro da
Fazenda reconhece que o "nascimento do PT" se deu "no ambiente do sindicalismo oficial estruturado na era Vargas". Mas faz uma
ressalva: "O PT é fruto exatamente do rompimento dos limites do
sindicalismo oficial, que levou Lula a colocar a necessidade de um
novo partido político".
Ao falar sobre aperfeiçoamentos do legado getulista, Palocci fala sobre "o fortalecimento dos espaços de negociação direta entre
sindicatos de trabalhadores e empresários". É o único ponto que o
governo federal fará esforço para
modificar nos próximos anos. "É
uma reforma difícil. Mas pior é
não fazê-la tendo em vista a dimensão da informalidade nas relações do trabalho".
Liberal, Palocci se declara contra a obrigatoriedade da transmissão do programa de rádio "A Voz
do Brasil", criado por Getúlio
Vargas. "Penso que a obrigatoriedade não é necessária nem adequada."
O ministro concedeu essa entrevista por escrito à Folha. A seguir,
trechos das respostas:
Folha - Qual é ou em que consiste,
na sua opinião, o legado getulista?
Antonio Palocci Filho - O legado
mais visível dos governos Vargas
é a CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho) e a representação sindical, tanto dos trabalhadores
quanto dos empresários.
Folha - O que há de melhor e de
pior no projeto nacional-desenvolvimentista do getulismo?
Palocci - É uma manifestação de
um fenômeno mais amplo de formação de identidade nacional nos
anos 1920, sendo em alguns casos
colorido, como é natural, por influências do seu tempo -que vão
de movimentos políticos da Europa continental nos anos 1930-40,
até o período do desmantelamento do modelo colonialista nos
anos 1950. O que há de melhor nele é o próprio conceito do necessário esforço nacional de desenvolvimento.
Folha - Em que medida as grandes realizações do getulismo foram
possíveis por causa da falta de democracia? Qual a relação entre democracia e velocidade das reformas necessárias em um determinado país? Países com regime autoritário conseguem mais rapidez na
adoção de planos nacionais de desenvolvimento?
Palocci - A instituição da carteira
de trabalho, do 13º salário e outras
realizações não dependeram, necessariamente, da existência do
autoritarismo. Uma outra grande
transformação deu-se com a negociação com o governo americano para a instalação da CSN em
troca da participação do Brasil no
esforço de guerra aliado -o que
prescindia de uma ditadura para
ser negociada.
A Petrobras, por seu lado, foi
criada dentro de um regime democrático. De modo mais geral,
não há evidência de que regimes
autoritários consigam impulsionar o desenvolvimento econômico com mais rapidez que regimes
democráticos. A Irlanda, em nossos dias, é um belo exemplo de desenvolvimento econômico acelerado com plena vigência democrática.
Folha - O que o governo do PT tem
a aprender com o getulismo? Ou
não há nada a aprender?
Palocci - Há uma grande diferença entre as bases da formação
do "getulismo" e do PT. Até mesmo porque a ascensão do PT ao
governo se deu ao longo de duas
décadas de evolução crítica e de
superação do legado tanto do nacional-desenvolvimentismo
quanto das tradições do socialismo real. O próprio nascimento do
PT, impulsionado pelas lideranças sindicais do ABC, se dá no
ambiente do sindicalismo oficial
estruturado na era Vargas, mas o
PT é fruto exatamente do rompimento dos limites do sindicalismo oficial, que levou Lula a colocar a necessidade de um novo
partido político. O PT é uma criação original, que busca realizar a
perspectiva de uma combinação
eficaz do esforço de desenvolvimento nacional, baseado na inovação tecnológica, com o trabalho
persistente para combater as desigualdades de renda e diminuir o
fosso educacional entre as classes
sociais em nosso país.
Folha - Que reformas são necessárias para consertar aspectos organizacionais do país herdados do
getulismo?
Palocci - A reforma sindical é a
principal, na medida em que a
Constituição de 1988 ofereceu um
novo marco legal e institucional
para o país. Aumentar a liberdade
de representação, na linha que estabeleceu a Convenção 87 da OIT
[Organização Internacional do
Trabalho], seria uma atualização
adequada aos desafios atuais.
Folha - Os direitos trabalhistas,
sempre relacionados ao getulismo,
devem ser flexibilizados? Se sim,
quais e como? Se não, por quê?
Palocci - Penso que o fortalecimento dos espaços de negociação
direta entre sindicatos de trabalhadores e empresários deve ser o
ponto fundamental de uma reforma nesse campo. É uma reforma
difícil. Mas pior é não fazê-la tendo em vista a dimensão da informalidade nas relações do trabalho.
Folha - Neste mês completam-se
50 anos da morte de Getúlio Vargas. O sr. acha que ainda são identificáveis no país os traços do getulismo? Quais e como?
Palocci - Uma área em que talvez
os traços getulistas estejam começando a se tornar identificáveis é a
disciplina fiscal. Uma característica dos governos Vargas foi um
equilíbrio fiscal bastante acentuado ainda mesmo no período mais
turbulento dos anos 1950. Muito
possivelmente, essa estabilidade
tenha contribuído para a implementação de diversas reformas
no seu governo.
Folha - A Voz do Brasil (antigamente a Hora do Brasil) é um programa compulsório criado por Getúlio Vargas. O sr. considera necessário que a transmissão da Voz do
Brasil continue sendo obrigatória,
agora, no século 21? Há projetos no
Congresso que falam em transformar a transmissão em facultativa.
O que o sr. acha disso?
Palocci - Acho adequada a discussão no Congresso. Penso que a
obrigatoriedade não é necessária
nem adequada e que as instituições do Estado podem produzir
programas de qualidade informativa, assim como fazem o Senado,
a Câmara e o Poder Judiciário, o
que torna essas instituições mais
transparentes. Quanto à informação e ao debate de idéias, penso
que a imprensa brasileira é tão
ampla e diversificada que permite
a expressão da pluralidade do
pensamento do país.
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