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Saudações a Hitler, saudações a Roosevelt
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 20 de abril de 1941, ao completar 52 anos, Hitler recebeu um
simpático telegrama de Getúlio
Vargas, cumprimentando-o pelo
aniversário. O Estado Novo brasileiro e o nazismo alemão tinham
pouco em comum, além do projeto autoritário, mas seria politicamente natural a aproximação dos
dois ditadores.
Ao redigir a mensagem, no entanto, Getúlio tinha em mente algo que passava ao largo de qualquer coisa que fosse politicamente natural. Se Hitler era o destinatário das congratulações, Franklin
Roosevelt, presidente dos Estados
Unidos, era o objeto elíptico do
texto: ao cortejar um, Getúlio provocava o outro. A estratégia funcionou: três semanas após o envio
da correspondência, os Estados
Unidos se comprometeram a
comprar, com exclusividade e a
preços estáveis, materiais estratégicos do Brasil.
Embora não haja relação de
causa e efeito entre o telegrama
protocolar e o acordo comercial, o
episódio ilustra o padrão de comportamento do governo brasileiro
que marcou as relações externas
entre 1937 e 1945. Getúlio ameaçava se alinhar à Alemanha apenas
para, no momento seguinte, obter
concessões dos EUA. Não por
acaso, ambigüidade, e não indecisão, é o termo mais usado para
descrever a diplomacia getulista.
No trato com os inimigos da Segunda Guerra, Getúlio não tinha
ideologia, só pragmatismo.
A preocupação do governo dos
EUA não era descabida. A Alemanha tornara-se um dos principais
parceiros comerciais do Brasil.
Além disso, no plano político, o
governo brasileiro dividia-se entre entusiastas do modelo democrático norte-americano, como
Oswaldo Aranha, ministro das
Relações Exteriores, e simpatizantes do nazismo, como Eurico
Gaspar Dutra, ministro da Guerra. Ou seja, Getúlio tinha elementos de sobra para que Roosevelt
levasse a sério a possibilidade de o
Brasil ingressar na órbita da Alemanha.
No xadrez da diplomacia de
guerra, Getúlio era um peão. A
importância do Brasil se resumia
basicamente ao Nordeste, região
considerada estratégica do ponto
de vista militar. Sem muito a oferecer, Getúlio jogava com limitado poder de barganha. Mesmo assim, chegou a dar pelo menos um
xeque: a viabilização de uma usina siderúrgica no Brasil.
O governo brasileiro tinha planos de industrializar o país, mas
não podia iniciar o processo sem
uma siderurgia de grande porte,
que por sua vez dificilmente seria
construída sem capital estrangeiro. Os Estados Unidos eram potenciais financiadores do projeto,
mas a decisão se arrastava por
conta do desinteresse da iniciativa
privada norte-americana.
As negociações se encontravam
nesse compasso quando, pouco
mais de um ano antes do telegrama a Hitler, Getúlio fez um discurso interpretado como a adesão
do Brasil aos países do Eixo. Cientes de que a Alemanha tinha uma
oferta similar para a futura siderurgia brasileira, os Estados Unidos reagiram rapidamente. Em
três meses, o governo norte-americano autorizou o empréstimo
que viabilizou a construção da
usina de Volta Redonda.
Analistas chamam a atenção para esse marco na história do país.
Para Ricardo Bielschowsky, autor
de "Pensamento Econômico Brasileiro", a siderurgia deu substância à ideologia do desenvolvimentismo. "O fato de Volta Redonda
estar na agenda das relações exteriores é representativo da guinada
pró-industrialização", afirma o
economista. Ítalo Tronca, professor de história do Brasil da Unicamp, atribui à orientação de Getúlio o desenlace da negociação
com os Estados Unidos. Para ele,
o papel dos militares brasileiros
foi restrito. "Uma das hipóteses
da historiografia era que os militares se importavam com a industrialização, mas minha tese é que
eles apenas defendiam interesses
corporativos imediatos", diz
Tronca, referindo-se ao rearmamento do Exército, também incluído no acordo.
A participação brasileira na
guerra segurou definitivamente o
pêndulo do Itamaraty do lado
norte-americano. Sob Getúlio,
porém, o apoio do Brasil aos Estados Unidos nunca seria incondicional. Em 1951, como presidente
eleito, Getúlio negou ao governo
de Washington o envio de soldados brasileiros à guerra da Coréia,
então palco principal da Guerra
Fria. Entre outras razões, uma de
natureza pragmática: as compensações não valiam o sacrifício.
Oscar Pilagallo é jornalista e autor de
"A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).
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