São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002 |
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Na ida, 3 toneladas; na volta, no 'vôo da muamba', 14 toneladas
Parreira diz hoje que não houve pressão do cartola. "Ele nunca impôs nada." Mas um membro da cúpula da entidade na época diz que o presidente da CBF foi bem claro: convoca ou sai. No dia 19 de setembro de 1993, Romário marcou os dois gols da vitória sobre os uruguaios. Teixeira iria para a sua segunda Copa. Na volta, o tetra e o primeiro grande escândalo de sua gestão na bagagem. A vitória no Mundial, que pôs fim ao jejum de 24 anos iniciado no México, coroava o trabalho da parceria CBF-Traffic e colocava a seleção brasileira entre as mais importantes dos novos tempos do futebol internacional, repleto de cifrões e patrocínios. Como seu sogro, o presidente da CBF era agora um "vitorioso". O sabor do triunfo, a tentação da vingança e uma boa dose de arrogância formaram um coquetel explosivo, detonado, após série de reportagens na Folha, no episódio conhecido como "vôo da muamba". O avião da Varig que transportou os campeões dos EUA até o Brasil parou primeiro em Recife. Os jogadores desfilaram na capital pernambucana e agradeceram o apoio recebido na despedida rumo ao Mundial. A segunda parada foi em Brasília -para a tradicional visita ao presidente. No Palácio do Planalto, Itamar Franco condecorou a delegação com a medalha do mérito desportivo. Terminada a homenagem, o avião decolou rumo ao Rio para um novo desfile em carro aberto. Antes da festa, no entanto, havia o dever. Como todos os brasileiros que chegam do exterior, a delegação teria que prestar contas à Receita Federal. Teria, porque não prestou, pelo menos não naquele dia -20 de julho de 1994. Quando ficou sabendo que os agentes da Receita queriam inspecionar as bagagens, Teixeira estrilou. Após evocar o título mundial e ralhar com todos no aeroporto do Galeão, o dirigente ligou diretamente para Brasília. Pediu e conseguiu a liberação de todos. O desfecho foi desastroso para a imagem da entidade e a dele. O avião, que partira do Brasil com 3,4 toneladas de bagagem, regressara com 14,4, segundo dados da Procuradoria Federal. Quase todos, inclusive Teixeira, haviam aproveitado a Copa para ir às compras nos EUA. O caso mais escandaloso foi o do lateral Branco, que trazia na bagagem uma cozinha completa, avaliada em US$ 18 mil. O limite legal era US$ 500 por pessoa. Sobre Teixeira, recaiu a acusação de que ele aproveitava a oportunidade para contrabandear equipamentos para o bar El Turf, de sua propriedade, no Rio. A ordem de liberação da bagagem provocou a saída do então secretário da Receita Federal, Osíris Lopes Filho, que pediu demissão. O caso se arrastou por anos, e a entidade presidida por Teixeira desembolsou posteriormente, segundo a CPI da CBF/Nike, R$ 46.209,60 de ICMS. Pagou a conta de todos. A CBF pensa que Lopes Filho quis "aparecer", pois foi dele a ordem para que a bagagem de toda a delegação fosse revistada, ainda que o material tivesse de ficar retido para isso, o que atrasaria o desfile pelas ruas e contrariaria os jogadores da seleção. Outro argumento da CBF é que, normalmente, na chegada dos vôos internacionais apenas alguns passageiros passam pela malha fina da Receita. Teixeira diz que conduziu mal as negociações, que deveria ter procurado a imprensa para relatar o que estava acontecendo antes de recorrer a Brasília. A acusação de contrabando deu mais dores de cabeça ao dirigente. Em fevereiro de 1995, o material -chopeiras importadas da Nova Zelândia, avaliadas em R$ 50 mil- foi apreendido. Mas, em março, a Justiça Federal do Rio rejeitou a denúncia da Procuradoria de República. O equipamento já havia sido liberado. O dirigente diz que as chopeiras não estavam no avião que trouxe a seleção e que foi vítima de má-fé. O bombardeio dos adversários sobre a CBF foi grande e intenso, mas ineficaz. A vitória no Mundial dos EUA era muito mais forte. Atolada em processos e talvez antevendo as disputas judicias do futuro, a CBF levou magistrados e familiares para assistir, com tudo pago, à Copa dos EUA. Um dos contemplados foi o desembargador Antonio Carlos Amorim, presidente do Tribunal de Justiça do Rio. Em 1998, na França, o expediente se repetiu. A entidade alegou que os convites eram uma deferência ao Poder Judiciário. A nova reeleição de Teixeira ocorreu no dia 3 de julho de 1995, novamente por unanimidade. Ele foi candidato único. O estatuto havia sido reformulado e, pela primeira vez, os 24 clubes que compunham naquele ano a primeira divisão do Brasileiro votaram no colégio eleitoral da CBF. A demonstração de força do dirigente foi clara. Após períodos de rupturas, como a criação do Clube dos 13, em 1989, federações e times estavam unidos em torno da mão forte de Teixeira. O cartola estava garantido até 2000 e tinha mais uma Copa pela frente. "Nossa preparação será como foi o trabalho feito para a Copa dos EUA. Não economizaremos nada", disse Teixeira, que, naquela altura da gestão, já acumulava 24 títulos internacionais. Quem convivia com o dirigente conta que ele estava em lua-de-mel com o poder, sentia que podia vir a ser respeitado como o sogro, vencedor de três Copas. Ao lado dos clubes, anunciou que reformularia o Nacional, adaptando-o ao calendário europeu. Com o prestígio de Teixeira, da CBF e da seleção em alta no mundo todo, era a hora de a Traffic voar mais alto. No ano seguinte, com pompa e circunstância, a parceria anunciava, no Rio, um acordo com a multinacional norte-americana de materiais esportivos Nike, com duração de dez anos e no valor de US$ 160 milhões -US$ 10 milhões foram pagos pela empresa para a entidade se livrar da antecessora Umbro. A agência de J. Hawilla recebeu 5% de comissão pela intermediação do negócio, anunciado pelas partes como o maior contrato de esportes já firmado no planeta. A receita proveniente dos contratos de TV também crescera após a conquista do Mundial-94. O preço dos amistosos da seleção, vendidos por US$ 100 mil cada no início da gestão de Teixeira, era então até cinco vezes mais alto do que em 1989. A entrada de tanto dinheiro na CBF começou a suscitar especulações quanto ao crescimento do patrimônio de Teixeira e a sua relação com a J. Hawilla. Até o presidente do Vasco, o deputado federal Eurico Miranda (PPB-RJ), em uma entrevista, sugeriu certa vez que Teixeira e Hawilla seriam sócios e desviariam dinheiro da Nike para contas pessoais, coisa que duas CPIs, uma delas com mais de um ano de duração, não conseguiram provar. Em 1999, o empresário Ricardo Teixeira disse que recebia cerca de R$ 17 mil líquidos por mês para comandar a CBF. A profissionalização da diretoria fora decidida por ele e aprovada pela Assembléia Geral no ano anterior. De acordo com o deputado Sílvio Torres (PSDB-SP), que foi relator da CPI da CBF/Nike, no ano passado, Teixeira ganhava, bruto, quase R$ 35 mil mensais, R$ 2.000 a menos que Marco Antonio Teixeira, funcionário com carteira assinada pela entidade. Relatório preparado por Torres, que não foi aprovado pela CPI, diz que a remuneração da diretoria da CBF saltou de R$ 1 milhão em 1998 para R$ 3 milhões em 2000. Como bom mineiro, Teixeira faz silêncio sobre seu patrimônio. Costuma dizer apenas que quase tudo o que adquiriu foi conquistado no período em que atuou no mercado financeiro e da venda de suas empresas em 1988, entre elas a Minas Investimentos. Relatos de amigos do dirigente, filho de um bancário aposentado -estudou direito na PUC do Rio, mas não se formou-, dão conta de que ele é um hábil homem de negócios, conhecedor como poucos dos humores das bolsas e do mercado. As investigações das duas CPIs mostraram que Teixeira havia adquirido uma casa luxuosa em Miami, após ter alugado o mesmo imóvel durante anos de uma empresa com sede no paraíso fiscal de Liechtenstein, na Europa. Além do salário, Teixeira conta com o rendimento de suas fazendas em Barra do Piraí, que se notabilizaram por fornecer produtos lácteos para a Granja Comary, a concentração da CBF, em Teresópolis, também interior do Rio. Texto Anterior: Entre Cartolas: Federações, auxílios, Fifa Próximo Texto: Copa de 1998: Ronaldo, derrota, crise Índice |
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