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ARTIGO
João Batista Ferreira
É preciso ser generoso
Ao longo de minhas décadas,
formei um conceito sobre a juventude.
Fiz-me otimista. A base
do meu olhar sobre esse extraordinário
segmento da aventura
humana é colhida da convivência
com jovens nas salas de aula
e no consultório. A amostragem
é pequena, pouco heterogênea,
portanto não faz ciência, até porque
são complexos os vetores de
uma produção cultural. Mesmo
assim, eu me fio nela e não me filio ao partido dos apocalípticos.
Juventude é o tempo da mais
extraordinária revolução por
que passa o ser humano. No
corpo, na consciência, no campo
sociofamiliar. "Não pode confiar em ninguém com mais de 30
anos." Metáfora, obviamente,
que dá o que pensar.
É o segmento da vida humana
de que se fala com uma acentuação
quase sempre desaprovadora
e pejorativa. "Avançando para
trás", ouço os rótulos que marcaram
as épocas por que passei,
"juventude transviada, rebelde
e opositiva, psicodélica, maconheira,
festiva, riponga, revoltada,
subversiva, drogada, alienada,
geração perdida, careta" etc.
Nunca se usaram jargões análogos
para crianças e adultos.
Cedo aprendi a buscar uma
compreensão desse momento
glorioso e sofrido da alma juvenil.
Dão sempre o seu recado, não
sendo as gerações piores, iguais
ou melhores que as outras, e sim
diferentes. O que me interessa é a
reviravolta que "as ondas da vez"
trazem para a comunidade humana,
sobretudo a partir das novas
formas de linguagem e comportamento.
Costumam deixar o
"mundo de pernas para o ar". Há
mais ganhos do que perdas.
O que há de novo na economia
interna da juventude de hoje?
Pragmática, não pensa em
aposentadoria, na estabilidade
do emprego. Graduar-se é bom,
mas não para a garantia certa da
felicidade certa. Conjuga os verbos
no tempo presente. Aspira
a ser rica, mas não vai consumir
todas as energias nisso. A fruição
não pode ser adiada. A droga é
normalmente usada ou para o
relaxamento (maconha) ou para
aumentar as energias (ecstasy).
Os acontecimentos são "acontecências",
ou seja, no instante
mesmo em que aparecem se
desvanecem.
Vinculativa, acredita em
aliança amorosa que só se parte
com a morte do amor ou que seja
"eterna enquanto dure". Internauta,
vive on-line com o mundo,
por meio da inteligência que
acontece na ponta dos dedos e
na logística dos games. Caseira,
onde mais mora do que vive com
a família, sem autoritarismos.
Comprometida, cuida do
corpo por razões de estética, sem
preconceitos, e de saúde; sensibiliza-
se com a natureza e é partidária
da ecologia. Política não lhe
faz a cabeça. A idéia de ruptura,
criança versus adulto, dependência
versus independência,
submissão versus liberdade,
continua como sempre existiu,
mas faz-se de forma singular, não
é violenta nem ideológica.
Inventiva, na linguagem,
na música, na vida profissional.
Cresce o número de "jovens empresários".
No mercado financeiro,
são imbatíveis. Inquieta, a
inquietação é geral, sem um foco
determinado, "o sonho acabou",
"a promessa é vazia", "o mundo
não está nada potável", portanto
"eu que cuide de mim".
Inteligente, vai surgindo uma
nova forma de coleta da informação,
visitando a internet mais
que as bibliotecas, lendo sínteses
mais do que compêndios. Ser
culto é um conceito vago. Avaliar
essa inteligência, impossível fazê-lo agora. Ver-se-á depois.
Generosa, o outro existe, se
comparecer. Sem culpa, nem
sempre acata limites, o que deságua
perigosamente no "tudo
posso". Revolucionária, como
toda juventude, dá o passo seguinte
do próximo pedaço da história.
Algumas reviravoltas extraordinárias,
conquistadas por
movimentos jovens anteriores,
encampadas pela geração atual,
como a questão da mulher, do
negro, da religião, dos costumes,
da sexualidade, do casamento,
habitam o universo juvenil.
Enfim, com todos os cabíveis
reparos, a juventude, com "som
e fúria", com dor e amor, com
medo e paixão, vai dando o seu
recado. Um olhar generoso é capaz
de perceber que, com todos
os cacoetes, o recado é bom.
Ganhamos todos...
JOÃO BATISTA FERREIRA, 70, é psicanalista
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