São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

João Batista Ferreira

É preciso ser generoso

Ao longo de minhas décadas, formei um conceito sobre a juventude. Fiz-me otimista. A base do meu olhar sobre esse extraordinário segmento da aventura humana é colhida da convivência com jovens nas salas de aula e no consultório. A amostragem é pequena, pouco heterogênea, portanto não faz ciência, até porque são complexos os vetores de uma produção cultural. Mesmo assim, eu me fio nela e não me filio ao partido dos apocalípticos.
Juventude é o tempo da mais extraordinária revolução por que passa o ser humano. No corpo, na consciência, no campo sociofamiliar. "Não pode confiar em ninguém com mais de 30 anos." Metáfora, obviamente, que dá o que pensar.
É o segmento da vida humana de que se fala com uma acentuação quase sempre desaprovadora e pejorativa. "Avançando para trás", ouço os rótulos que marcaram as épocas por que passei, "juventude transviada, rebelde e opositiva, psicodélica, maconheira, festiva, riponga, revoltada, subversiva, drogada, alienada, geração perdida, careta" etc. Nunca se usaram jargões análogos para crianças e adultos.
Cedo aprendi a buscar uma compreensão desse momento glorioso e sofrido da alma juvenil. Dão sempre o seu recado, não sendo as gerações piores, iguais ou melhores que as outras, e sim diferentes. O que me interessa é a reviravolta que "as ondas da vez" trazem para a comunidade humana, sobretudo a partir das novas formas de linguagem e comportamento. Costumam deixar o "mundo de pernas para o ar". Há mais ganhos do que perdas.
O que há de novo na economia interna da juventude de hoje?
Pragmática, não pensa em aposentadoria, na estabilidade do emprego. Graduar-se é bom, mas não para a garantia certa da felicidade certa. Conjuga os verbos no tempo presente. Aspira a ser rica, mas não vai consumir todas as energias nisso. A fruição não pode ser adiada. A droga é normalmente usada ou para o relaxamento (maconha) ou para aumentar as energias (ecstasy). Os acontecimentos são "acontecências", ou seja, no instante mesmo em que aparecem se desvanecem.
Vinculativa, acredita em aliança amorosa que só se parte com a morte do amor ou que seja "eterna enquanto dure". Internauta, vive on-line com o mundo, por meio da inteligência que acontece na ponta dos dedos e na logística dos games. Caseira, onde mais mora do que vive com a família, sem autoritarismos.
Comprometida, cuida do corpo por razões de estética, sem preconceitos, e de saúde; sensibiliza- se com a natureza e é partidária da ecologia. Política não lhe faz a cabeça. A idéia de ruptura, criança versus adulto, dependência versus independência, submissão versus liberdade, continua como sempre existiu, mas faz-se de forma singular, não é violenta nem ideológica.
Inventiva, na linguagem, na música, na vida profissional. Cresce o número de "jovens empresários". No mercado financeiro, são imbatíveis. Inquieta, a inquietação é geral, sem um foco determinado, "o sonho acabou", "a promessa é vazia", "o mundo não está nada potável", portanto "eu que cuide de mim".
Inteligente, vai surgindo uma nova forma de coleta da informação, visitando a internet mais que as bibliotecas, lendo sínteses mais do que compêndios. Ser culto é um conceito vago. Avaliar essa inteligência, impossível fazê-lo agora. Ver-se-á depois.
Generosa, o outro existe, se comparecer. Sem culpa, nem sempre acata limites, o que deságua perigosamente no "tudo posso". Revolucionária, como toda juventude, dá o passo seguinte do próximo pedaço da história. Algumas reviravoltas extraordinárias, conquistadas por movimentos jovens anteriores, encampadas pela geração atual, como a questão da mulher, do negro, da religião, dos costumes, da sexualidade, do casamento, habitam o universo juvenil.
Enfim, com todos os cabíveis reparos, a juventude, com "som e fúria", com dor e amor, com medo e paixão, vai dando o seu recado. Um olhar generoso é capaz de perceber que, com todos os cacoetes, o recado é bom.
Ganhamos todos...


JOÃO BATISTA FERREIRA, 70, é psicanalista


Texto Anterior: Inquietações: Maiores medos são a morte e violência
Próximo Texto: Família: Mãe é a mais amada
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.