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Copa 1958
Modelo de beleza e eficiência
Todas as pessoas deveriam assistir às partidas da seleção em 58 não para repetir o passado, mas para constatar que esses craques existiam
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Nunca imaginei ver, na íntegra, os dois últimos jogos do
Brasil na Copa de 1958, contra
França e Suécia. As duas vitórias foram por 5 a 2. Nem sabia
que existiam esses filmes. Fiquei arrepiado ao ver Pelé antes de ser coroado Rei, Didi, o
Príncipe Etíope, Nilton Santos,
a Enciclopédia, Garrincha, o
Charles Chaplin de chuteiras, e
outros excepcionais jogadores.
Acompanhei os jogos do
Mundial pelo rádio, em um bar
próximo de minha casa. Tinha
11 anos. Após a conquista do título, percorri as ruas do bairro
nos ombros de meu querido pai
e ao lado de uma grande multidão. Não pensara que oito anos
depois estaria ao lado de alguns
desses craques.
Estavam juntos quatro dos
maiores jogadores da história
do futebol. Didi jogava com a
cabeça em pé, sem olhar para a
bola e com grande elegância.
Cada passe com a parte externa
do pé era uma obra de arte.
Garrincha bailava em campo.
Balançava o corpo, deixava o
marcador paralisado e saía pela
direita. Nilton Santos antevia o
passe, antecipava e desarmava
sem tocar no atacante.
Pelé raciocinava mais rápido
que um megacomputador. Antes de a bola chegar a seus pés,
calculava a velocidade dos companheiros, dos adversários, da
bola e a relação do espaço com o
tempo. Achava sempre o espaço mais curto para o gol. Com
17 anos, já executava no mais
alto nível todos os fundamentos técnicos. Com o tempo, apenas ficou mais forte e descobriu
novos truques e novas mágicas.
A grande diferença do futebol de 1958 para o de 1970, e
desse para o atual, foi a ocupação progressiva dos espaços.
Como os defensores marcavam
muito atrás e os atacantes jogavam muito na frente, havia um
grande espaço no meio-campo.
Por isso, o ponta Zagallo se tornou um terceiro armador. Esses espaços diminuíram bastante na Copa de 1970 e muito
mais ainda hoje.
Pelé tem razão quando diz
que a seleção de 1958 tinha
mais craques e a de 1970 era
mais organizada taticamente.
Com Pelé e Garrincha juntos, o
Brasil nunca perdeu um jogo. A
seleção de 1970, que uniu o talento individual com o coletivo,
a arte com a ciência, fez a transição entre o futebol puro, intuitivo e espontâneo de 1958
para o de hoje, de muita marcação e velocidade. Pena que os
técnicos hipertrofiaram a parte
científica, tática, e valorizaram
pouco a arte e a beleza do jogo.
Muitos falam que era mais
fácil jogar no passado e questionam se os craques seriam hoje
tão excepcionais. Mais bem
preparados fisicamente, eles
seriam ainda melhores. Havia
mais espaço para o craque brilhar e também mais espaço para os medianos mostrarem
suas limitações. O craque não
se confundia com o medíocre.
Todos, treinadores e atletas,
deveriam assistir a esses jogos
de 1958, na íntegra, não para repetir o passado, mas para constatar que esses craques existiam e que não eram produto da
imaginação de comentaristas
saudosistas. Não dá para voltar
atrás, porém dá para jogar um
futebol mais bonito. Não basta
vencer. Técnicos e jogadores
têm compromisso também
com o espetáculo.
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