|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ATLETISMO
Fauja Singh, que começou a correr aos 89, conversa com Deus, instiga ciência e destrói recordes nas maratonas
"Bin Laden" desafia marcas e limite aos 93
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
A piada é repetida em todas as
corridas. Ao avistar o senhor de
turbante e barba branca volumosa, o espectador mais brincalhão
dispara: "Vem aí o Bin Laden".
Fauja Singh não liga. Mantém a
passada em ritmo cadenciado, faz
um rápido aceno para o público e
segue sua toada. "Os torcedores se
divertem e também aprendem
comigo. Muitos, depois de me verem correndo, animam-se e começam a praticar algum esporte.
Sou um exemplo", afirma.
Ele sabe que não conquistou fama e respeito nas provas de rua
apenas pelo visual semelhante ao
do líder terrorista da Al Qaeda.
Indiano radicado em Londres, o
maratonista de 93 anos é um caso
raro no esporte. A cada evento
que disputa, estraçalha uma marca mundial. Hoje, coleciona mais
de 15 recordes para sua faixa etária em diferentes eventos.
No último domingo, escreveu
mais um capítulo dessa história.
Em Toronto, no Canadá, completou uma meia-maratona (21 km)
em 2h30min02s. Um atleta com
mais de 90 anos nunca registrou
um resultado semelhante.
Mais: a trajetória de Fauja nas
competições só começou aos 89
anos, quando a esmagadora
maioria dos esportistas já colocou
um ponto final na carreira.
Até os 81 anos, ele era fazendeiro em Punjabi, cidade de seu país-natal. Corridas, para ele, não passavam de lembranças remotas.
"Quando eu era jovem, antes de
a Segunda Guerra estourar, disputei alguns pequenos eventos
contra moradores de vilas próximas à minha. Eu sempre ganhava.
Depois disso, me dediquei aos
meus filhos e à minha família."
A rotina virou de ponta-cabeça
quando a mulher morreu. Sozinho, Fauja aceitou o convite do
mais novo de seus quatro filhos e
mudou-se para Londres.
Como entende poucas palavras
em inglês, enjoou rápido do ramerrão nas TVs. Em um parque
próximo da casa em que vive, decidiu retomar a atividade física
que executava na juventude.
"Lembro que ele percorria uma
volta de pouco mais de 2 km em
15 minutos. Não andava, não bebia água. Corria em um ritmo
muito bom. Quando descobri a
idade dele, então, fiquei ainda
mais surpreso", explica Harminder Singh, que o avistou há cinco
anos e virou seu técnico -apesar
da semelhança no sobrenome,
não têm nenhum parentesco.
Ele acumula também a função
de tradutor, em casos como o da
entrevista de Fauja à Folha.
Em 2000, seu pupilo completou
a primeira maratona, realizada
em Londres. Demorou 6h54min
para percorrer os 42.195 m. Hoje,
já baixou seu recorde na distância
para 5h40min.
O segredo da longevidade?
Fauja acredita que é a disciplina.
Vegetariano, não bebe nem fuma.
Pratica meditação duas vezes ao
dia -de manhã e à noite.
E, principalmente, treina como
um garoto. Em cada sessão, perfaz de 13 a 19 km na capital inglesa. Seis vezes por semana.
Como comparação, Vanderlei
Cordeiro de Lima, 33, medalha de
bronze na maratona em Atenas,
cumpre uma média de 20 a 30 km
em cada prática que realiza.
"Não tenho boa saúde só por
causa da dieta. Evito todo tipo de
estresse e desejo o bem para todos. Isso ajuda", conta o veterano.
Claro que Singh dedica também
alguns créditos ao sobrenatural.
Ele costuma rezar antes das provas ("peço para que nada de mal
aconteça"). Mas é durante as corridas que as preces rendem os melhores efeitos. "Quando sinto dificuldades, converso com Deus.
Rogo para que me mostre o melhor caminho a seguir", ensina.
Suas performances surpreendem quem lida com o corpo humano no dia-a-dia. "Correr maratonas é um procedimento complicado pelo impacto sobre o sistema locomotor e o estresse térmico que se tolera. Com a idade
avançada, é ainda mais difícil",
analisa Cláudio Gil Araújo, especialista medicina esportiva.
O mais impressionante é que
Fauja não aparenta ser um homem saudável. Seus parcos 51 kg
desaparecem no esqueleto de 1,82
m. Nada que o incomode. Orgulho dos 13 netos e cinco bisnetos,
só quer mais recordes no futuro.
"Não sei se chegarei aos 100 anos.
Se chegar, estarei correndo."
Texto Anterior: Futebol - Rodrigo Bueno: Conto de fadas Próximo Texto: Saiba mais: Brasil da terceira idade confronta corredor indiano Índice
|