|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Made in Brasil
Para todos os gostos
Da alta gastronomia a churrascarias em que garçons chineses servem vestidos de gaúchos, culinária brasileira atrai locais e estrangeiros em Pequim, em um mercado que não pára de crescer
EDGARD ALVES
EDUARDO OHATA
ENVIADOS ESPECIAIS A PEQUIM
Paraíba, Ceará e Severino comandam as panelas e utensílios
do melhor restaurante de cozinha internacional de Pequim.
Oriundos de cidades nordestinas tão pequenas que ""nem
aparecem no mapa", segundo
eles mesmos, os três, hoje baseados na China, são o propulsor do badalado Alameda.
A brasilidade, porém, não se
restringe à cozinha. Ela invadiu
o cardápio do restaurante, criado em 2004. Da feijoada light,
aos sábados, a entradas como
pão de queijo e pratos como
moqueca de camarão, acabaram se tornando populares para um público que, do Brasil,
conhecia apenas a caipirinha.
Por isso mesmo a clientela
não é formada só de brasileiros,
mas também de outros estrangeiros e chineses bem-sucedidos (e mais ocidentalizados),
que buscam pratos contemporâneos e um serviço atencioso
raro em restaurantes chineses.
Lá são elaborados sofisticados pratos que exigem queijo
de cabra importado da França,
macarrão italiano, peixes trazidos da Nova Zelândia ou o azeite de dendê do Brasil. Mas os
ingredientes têm de passar por
um rigoroso crivo.
""Se o peixe estiver com o olho
feio, a garganta [guelra] ruim,
nós devolvemos", aponta Valdemir Augusto de Sousa, o Paraíba, chef do restaurante e natural da cidade de Cajazeiras,
que lembra o início na cozinha.
""Foi totalmente por acaso.
Era funcionário de uma quitanda e, quando ela fechou, pedi
para os donos de um restaurante nosso cliente para ir trabalhar para eles. Comecei no bar e
ainda lavava louça, passava rodo. Gostaram de mim, que logo
fui para a cozinha", diz.
""No Brasil, não há oportunidade de trabalho para alguém
de minha idade", argumenta
Severino Sebastião de Araújo,
52, subchefe de cozinha do Alameda e conterrâneo de Paraíba,
mas oriundo de Itabaiana.
""No Nordeste, não pega bem
homem cozinhar, é coisa de
veado, bicha, travesti... Lá, as
mulheres falam que lugar de
homem é na sala. Mas hoje estou na China, morando num lugar classe A", diz Severino, que,
além de hóspedes de hotéis como o Maksoud Plaza, brindou
com a sua culinária clientes do
restaurante Bom Giovani, no
centro velho de São Paulo.
Outro que não teve chance de
treinar a habilidade culinária
na cidade natal, porém por outro motivo, é Vilmar Costa e Silva, o Ceará, natural de Cariré, e
outro subchefe do Alameda.
""Minha cidade não tinha restaurante, no máximo um café
na rodoviária... Hoje já não sei
mais como está", aponta ele.
A culinária brasileira na China, no entanto, não fica só na
feijoada. O churrasco também
tem espaço no país que é conhecido por iguarias como cavalos marinhos, grilos e escorpiões fritos. Além do prazer
gastronômico, algumas casas
procuram oferecer a experiência de estar em um rodízio, como a cadeia Latin Grillhouse,
que acaba de inaugurar em Pequim seu sétimo restaurante.
Os garçons trabalham caracterizados de gaúchos. Está tudo
lá: o chapéu, as calças pretas, o
lenço vermelho, as botas...
Mas o mais engraçado é que
quem as veste são garçons chineses, dando ao cliente a impressão de estar no filme ""Bater ou Correr", no qual o ator
Jackie Chan é um chinês que
viaja para o Velho Oeste.
""Queremos passar um pouco
o clima de estar no Brasil. Os
garçons sabem falar o nome das
carnes em português, nossos
chefes de carnes são brasileiros, temos MPB ao vivo e importamos do Brasil nosso cupim, a carne mais popular entre
nossos clientes chineses", fala
João Carlos, diretor da rede.
Seu objetivo para o futuro é
ampliar a rede, dos atuais sete,
para 30 rodízios na China.
Gaby Alves também colhe
frutos explorando a culinária
brasileira em Pequim. Ex-sócia
do Alameda e dona de cinco
prêmios como empresária do
""melhor restaurante internacional da cidade", criou em
2007 o Salt, que se tornou obrigatório nos roteiros de alta gastronomia da capital chinesa.
A paulista virou referência
nas publicações gastronômicas
em Pequim. É personalidade
no setor. Além do restaurante,
trafega na área de eventos para
empresas como Volkswagen,
Chrysler e BMW, entre outras.
""O serviço e os alimentos
frescos de qualidade são os
pontos fortes, desde frutas a legumes. É comida suave, voltada
para uma linha saudável", argumenta Gaby, que se comunica
com descontração em chinês
mas só contrata funcionários
que dominem o inglês. ""Minha
clientela é leal. Mudei de casa e
ela continua assídua."
Ambos os locais estão em
áreas boêmias da cidade -o
Alameda em Sanlitun, o Salt no
Lido- e têm aparência clean,
com decoração minimalista.
Nada dos vermelhos e dourados dos congêneres chineses. O
preço não é típico de refeitório
chinês -as refeições podem
passar dos 200 yuans (R$ 50),
caro para os padrões locais.
Agora, durante a Olimpíada,
o Salt funcionará até às segundas-feiras, dia que é reservado à
folga em outros períodos. São
pacotes especiais para grupos
de até oito pessoas. Lógico, o
preço sobe, variando de US$ 70
a US$ 140 por cabeça.
Gaby, entretanto, alerta que
fazer negócio na China não é
tão suave como parece. ""É necessário ter muita paciência. Os
chineses parecem tê-la, mas
não é bem assim. Você é quem
precisa ter", ensina.
Texto Anterior: CHINA >> Raul Juste Lores: O umbigo do mundo Próximo Texto: Frase Índice
|