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ATENAS 2004
Doug Beal, mentor do time que reinou há 20 anos, diz que Bernardinho faz atletas acreditarem que podem
Vôlei do Brasil intriga "mago" dos anos 80
LUÍS CURRO
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE
O segredo do sucesso do Brasil
de Bernardinho está na cabeça.
A opinião é de Doug Beal, o treinador que revolucionou o vôlei
nos anos 80 ao introduzir a especialização na modalidade.
Com Karch Kiraly, Craig Buck,
Steve Timmons e Pat Powers, entre outros, cumprindo funções específicas, Beal montou a equipe
que conquistou a inédita medalha
de ouro para os EUA na Olimpíada de 1984, em Los Angeles.
Isso nos primeiros Jogos que a
seleção masculina do país disputava em 16 anos -não conseguiu
vaga para Munique-72 e Montréal-76 e boicotou Moscou-80.
Praticamente imbatível, a equipe ainda conquistou o Mundial-86 e o bi olímpico, em Seul-88.
Para Beal, a excelência da seleção brasileira deve-se ao fato de
atuar sempre com o máximo de
intensidade, e isso já há alguns
anos -algo quase impossível de
se atingir no vôlei, segundo o
americano de 57 anos que estará
em Atenas pela terceira vez à frente do time de seu país nos Jogos.
E Bernardinho, afirma ele, é o
responsável por imbuir na mente
de cada pupilo a capacidade de
superação dia a dia. "Ele convenceu os atletas de que podem jogar
no ápice o tempo todo, sem queda
de rendimento. É o único time no
mundo que faz isso atualmente."
Nesta entrevista à Folha, Beal,
chamado de "mago" pela metamorfose que executou, faz um paralelo entre o Brasil-04 e os EUA-84, diz que o levantador Ricardinho é o atleta mais importante
hoje no vôlei e diz como pretende
derrotar os brasileiros em Atenas
-se enfrentarão na fase inicial.
Folha - O que mudou no vôlei desde Los Angeles-84?
Doug Beal - Quase tudo. Os jogadores são mais altos, mais fortes,
mais rápidos. O jogo também é
mais rápido, pois agora há o sistema de rali [acabou a vantagem, e
toda bola no chão é ponto]. Há o
líbero. Mais que isso, há o saque
viagem, agora dominante. O saque, a importância dele, muda o
jeito de você treinar. Gastamos até
30% do tempo praticando saque e
recepção, muito mais que antes.
Folha - Quais suas impressões sobre a Liga Mundial deste ano?
Beal - O Brasil foi fantástico, não
perdeu de ninguém. Não há dúvida de que é o melhor time neste
momento e que vai para Atenas
como favorito ao ouro. Não sei se
a diferença para os outros times é
tão grande, até porque o sistema
de pontuação impede que isso
ocorra, mas o Brasil tem sido o
melhor há dois, três anos. O número um. Boa recepção, bom serviço, boa defesa, boa preparação
de jogadas. Além disso, todos os
atletas têm habilidade para cumprir bem todos os fundamentos.
Folha - O que dizer sobre o técnico Bernardinho?
Beal - Está fazendo um trabalho
muito bom, talvez o melhor, no
sentido de convencer os jogadores de que eles podem jogar com o
máximo de intensidade o tempo
todo. O Brasil é hoje o único time
no mundo que, mesmo que perca
um set, ou mesmo que venha a
perder uma partida, joga sempre
no ápice, não há queda de rendimento. Isso é algo que explica o
porquê de o Brasil estar jogando
tão bem: a habilidade do treinador de motivar seus jogadores dia
após dia, de tirar deles sempre o
máximo. Bernardinho tem feito
isso melhor que ninguém.
Folha - Já falou com ele?
Beal - Muitas vezes. Conheço-o
desde que era jogador, já esteve
em minha casa. Tem uma leitura
muito boa do jogo, acredito que
tenha quase as mesmas características que Bebeto [de Freitas,
técnico prata em Los Angeles-84].
Folha - Em sua opinião, quem é o
melhor jogador do mundo?
Beal - É difícil dizer, teria que
analisar cada posição. Mas o jogador mais importante é o levantador brasileiro, Ricardo. Consegue
sempre, mais do que qualquer outro no mundo, deixar o time em
condição de "matar" a jogada.
Distribui a bola como ninguém.
Folha - Há algum segredo para
passar pelo Brasil em Atenas?
Beal - É preciso sacar muito bem
e ter muita paciência, pois eles
têm sempre uma performance
ofensiva muito boa. E o bloqueio
tem que funcionar, ser disciplinado. Paciência e disciplina são as
chaves para vencer o Brasil.
Folha - Seu time já superou o de
Bernardinho, no Mundial-02.
Beal - Foi no início do torneio...
Naquele jogo estivemos muito
bem. Temos um bom grupo, que,
se jogar no ápice, pode estar entre
os melhores. O difícil é jogar num
alto nível com regularidade.
Folha - O que o sr. guarda do ouro
olímpico de 1984?
Beal - O grupo que eu tinha era
sensacional. E consegui torná-los
os melhores, fazê-los crescer. Foi
árduo, e trago comigo algo fundamental daquele time: eles lutavam
a cada dia, a cada treino, como se
estivessem disputando a medalha
de ouro. Por muitos anos, aquele
time não teve uma apresentação
ruim. Até perdia ocasionalmente,
mas nunca jogava mal. Para vencer, o oponente tinha que fazer
uma partida excepcional. É a
marca de um grande time. Talvez
seja o que esteja acontecendo hoje
com o Brasil, talvez...
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