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ARTIGO
Pelo esporte, Calipátira enfrentou a morte
LAURET GODOY
ESPECIAL PARA A FOLHA
No fantástico mundo da
mitologia grega, deuses e heróis conviviam para dar exemplos, mostrar caminhos, transmitir ensinamentos e conselhos. De
temperamento guerreiro, durante
muitos séculos os gregos cultuaram a beleza e o esforço físico,
acreditando que assim teriam
proteção divina.
Dos vários torneios esportivos
promovidos na Grécia Antiga,
apenas um era destinado às mulheres -os Jogos Heranos, realizados para homenagear Hera,
mulher de Zeus, adorada como
protetora das esposas e mães.
Eram disputados pelas jovens da
cidade de Élis e promovidos no
mês da virgem -junho ou julho
atuais. A organização e a administração eram de responsabilidade das sacerdotisas de Hera,
que ainda conduziam a prova esportiva, presidiam os ritos religiosos e, a cada cinco anos, teciam o
véu consagrado à deusa.
Do programa constava apenas
uma corrida de 162 m, e as jovens
corriam descalças, com os cabelos
soltos, usando uma pequena túnica, que exibia o ombro e o seio
direitos. A vencedora recebia como prêmio uma coroa de oliveira
selvagem e uma porção da carne
da vaca sacrificada à divindade.
Porém a grande emoção esportiva ocorria a cada quatro anos.
Quando os arautos proclamavam: "Que o mundo esteja livre
do crime, do assassinato e do ruído das armas", uma loucura coletiva percorria o país. Pessoas de
todas as condições sociais e de todas as idades queriam chegar a
Olímpia, ansiosas por assistir aos
jogos promovidos para honrar
Zeus, o deus supremo do Olimpo.
Mas o espetáculo realizado no vale sagrado era privilégio de deuses, homens e jovens solteiras. A
uma única mulher casada era
permitida a presença no estádio:
a sacerdotisa de Deméter, deusa
da fertilidade, da terra cultivada
e da germinação do trigo, que assistia às provas de um lugar especial. Às demais, era vedado o
comparecimento, porque o quinto item do Código Olímpico era
incisivo: a mulher casada encontrada no local dos Jogos seria atirada do alto do rochedo Typeu,
sem qualquer julgamento.
Mas, em Rodes, havia uma corajosa mulher chamada Calipátira, que era filha e irmã de campeões olímpicos. Foi ela quem
treinou o filho Pisidoros para disputar o pugilismo nos Jogos Olímpicos realizados em 396 a.C. O jovem se classificou para disputar a
final com Neomon, um verdadeiro gigante, e travou com ele um
combate árduo e demorado.
Quando Neomon abandonou a
luta, vencido, um dos treinadores
afastou-se do local a eles destinado e correu a abraçar o jovem
campeão. Soluçando, jogou ao
chão a túnica masculina que vestia. A multidão, muda de espanto, reconheceu Calipátira, a filha
predileta de Diágoras. Jamais,
anteriormente, alguém ousara
desobedecer à lei que impedia o
acesso de mulheres casadas ao estádio durante os Jogos Olímpicos.
Mas, compreendendo os motivos
que levaram aquela mulher a cometer o sacrilégio, os magistrados, complacentes, aplicaram-lhe
a sanção destinada aos que blefavam: guarnecer com uma nova
estátua um dos erários.
Por amor ao filho, ao esporte e à
verdade, Calipátira enfrentou a
morte e venceu-a.
Essa restrição às mulheres, na
época, não causava espanto, já
que os impedimentos ocorriam
também em outros setores da vida grega. As mulheres não podiam participar do governo, possuir propriedades ou recebê-las
por herança. Quando solteiras,
deviam obediência aos pais e,
após o casamento, aos maridos.
Dedicavam-se aos filhos, ao lar e
à arte de tecer. Apenas.
Embora a maioria dos gregos
considerasse a mulher um ser inferior, consta que Sócrates, o
grande filósofo, discordava dos
homens do seu tempo e dizia:
"Uma vez igualada ao homem, a
mulher torna-se seu superior".
Lauret Godoy, ex-campeã brasileira e
sul-americana do revezamento 4 x 100
m, é autora de "Os Jogos Olímpicos na
Grécia Antiga" (ed. Nova Alexandria)
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