|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Jogos mambembes
Primeira Olimpíada da Era Moderna foi vexame de organização, qualidade técnica e respeito às regras e teve problemas até para arregimentar atletas
DO PAINEL FC
Atenas-1896 foi um parto, e a
criança só veio ao mundo graças à
teimosia grega. Por mais de uma
vez os esforços de Pierre Frédy, o
barão de Coubertin, esbarraram
na má vontade do primeiro-ministro Charilaos Trikoupis.
No final de 1894, parecia certo
que a idéia, consolidada num
congresso em Paris no mesmo
ano, havia gorado. Uma carta de
um aliado de Trikoupis a Coubertin informava que o país, quebrado economicamente, desistira de
abrigar a competição. Por outra
missiva, o barão soube que os
húngaros estavam prontos para
receber a Olimpíada. A Suécia
também se pôs à disposição.
Foi a persistência de dois gregos
que virou o jogo: Dimitreus Vikelas, membro do país no COI, e o
príncipe Constantino. O primeiro
descobriu o mecenas Georgios
Averoff, que bancou a empreitada. O filho do rei George 1º escanteou Trikoupis do processo e assumiu o ônus dos preparativos.
Um sucesso quanto ao entusiasmo da população local e dos atletas, a primeira Olimpíada da Era
Moderna foi um vexame em organização, infra-estrutura, qualidade técnica e respeito às regras.
Algumas competições nem tiveram quórum. Na barra horizontal
por equipe, os alemães ganharam
por falta de rivais. Só dois americanos se inscreveram no salto
com vara -três neófitos gregos
foram arregimentados de última
hora para viabilizar a prova.
No tênis, o irlandês John Boland, que fora à Grécia como turista e virou competidor por um
pedido de um amigo, ganhou os
torneios de simples e duplas
-neste, compôs com o alemão
Fritz Traun, que perdera seu parceiro durante os Jogos.
Não havia uma padronização
dos equipamentos. O disco com
que o americano Robert Garret
venceu era bem mais leve do que
aquele que ele costumava arremessar nos EUA. A pista de atletismo era horrível, com um aclive
numa reta e curvas muito abertas.
O corporativismo grego campeou. Certas provas foram criadas somente para agradar aos anfitriões. Em outras, deu-se um jeitinho para que os helenos recebessem medalhas -no florete
para mestres, venceu o grego
Leon Pyrgos, que era profissional
e, em tese, não poderia competir.
Foram 43 provas em nove esportes, só com homens -as mulheres só seriam admitidas em Paris-1900. Os campeões ganharam
medalhas de prata, e os vice, de
bronze -para os terceiros, nada.
A premissa de excelência técnica dos Jogos era, em muitos casos,
uma falácia. O campeão da inusitada prova "levantamento de peso - um braço", o inglês Launceston Elliott, foi desmoralizado pelo
rei George 1º, que, ao parabenizá-lo, levantou o haltere mais facilmente que o vencedor. No cavalo
com alça, 13 dos 15 inscritos não
cumpriram as exigências mínimas para ir à final.
A maratona retratou bem a zorra que foi a Olimpíada. O príncipe
Constantino invadiu a pista e percorreu os últimos metros ao lado
do campeão, o compatriota
Spyridon Louis. Outro grego foi
desclassificado por ter feito parte
do trajeto em uma charrete.
As datas foram uma confusão à
parte. Os anfitriões se orientavam
pelo calendário juliano, que tinha
diferença de 12 dias em relação ao
utilizado por alguns participantes. Por causa disso, a delegação
americana chegou a Atenas em 5
de abril, véspera da abertura.
E, como fosse pouco, encontrou
uma cidade pobre e suja. Depoimento publicado em 29 de março
de 1896 no "New York Times"
alertou os atletas dos EUA sobre a
situação: "O esportista amador
americano tem de saber que ir a
Atenas significa fazer uma viagem
cara a uma capital ordinária, onde
não terá notícias do mundo exterior, será devorado por pulgas, sofrerá tormentos psicológicos e, se
ganhar prêmios, experimentará
uma honra digna de explicações".
Apesar de tudo, os Jogos foram
aprovados pelos participantes. Os
americanos -campeões em medalhas, mesmo com uma delegação bem menor que a da segunda
colocada Grécia, 14 contra 166
atletas- apoiaram a idéia do rei
George 1º de fazer de Atenas sede
perpétua. O máximo que o país
conseguiu foi voltar a realizar
uma edição em 1906, não reconhecida pelo COI.
(FÁBIO VICTOR)
Texto Anterior: Atletas e deuses se encontram em Olímpia-500 a.C. Próximo Texto: 1.001 Utilidades Índice
|