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ATENAS 2004
Aos 44 anos, Torben Grael vai à 6ª Olimpíada, bate recordes e diz que não pensa em parar
O velho (velho?) e o mar
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um colega de classe abordou
Torben Grael no corredor da Universidade Federal Fluminense.
Preocupado com as seguidas
faltas do velejador no curso de administração, resolveu colocá-lo
contra a parede. "Você leva muito
a sério esse lance de esporte. Acha
que vai viver de vento?"
Grael nem ligou para o alerta e
continuou a passar boa parte dos
dias dentro de um barco à vela.
Hoje, 16 anos após o episódio,
tem convicção de que o vento
conduziu sua vida a um porto seguro. Ele se prepara para competir na sexta Olimpíada, recorde
histórico entre atletas brasileiros.
Em Atenas, quer estender a
marca de esportista mais premiado do país -tem quatro medalhas, mesma soma do nadador
Gustavo Borges, mas leva vantagem por possuir uma de ouro.
E, desta vez, ainda carrega outra
façanha na bagagem: em agosto,
terá 44 anos. Será o mais velho integrante da delegação.
Parecem motivos significativos
para comemorar e mostrar a cara.
Só que Grael se mantém cuidadosamente longe dos holofotes.
"Não sinto necessidade de aparecer. Nunca quis ser ídolo", conta.
Tarde demais. Ao menos no
mundo do iatismo, não há quem
deixe de venerá-lo. Até Robert
Scheidt, heptacampeão mundial
da laser e nome mais famoso da
categoria, derrama elogios.
"Se o colocarem no leme de
uma jangada ou de uma banheira
com vela, pode apostar suas fichas
que ele ganha. O Torben é o velejador mais versátil do Brasil", diz.
Não há exagero na avaliação de
Scheidt. Desde 1976, Grael coleciona títulos nacionais e continentais em quase todas as classes.
Nos Jogos, concentrou-se em
dois barcos. Com o soling, foi prata em Los Angeles-1984. Dentro
do star, levou o bronze em Seul-1988 e Sydney-2000 e o ouro em
Atlanta-1996. O currículo deu-lhe
credencial para se aventurar nos
torneios de vela oceânica.
Grael já participou da America's
Cup e da Volvo Ocean Race, disputas em veleiros com mais de 15
metros e consideradas as provas
mais complexas do iatismo.
"Busco sempre me renovar.
Desde moleque, gosto de testar
coisas novas, de inventar desafios
que me consumam", diz o atleta.
O caráter errante vem do berço.
Torben e os irmãos Lars e Axel
nasceram em São Paulo e rodaram muitas cidades na infância.
Motivo: o pai, Dickson, era integrante de um grupo de pára-quedistas do Exército brasileiro.
Ao lado da mulher, Ingrid, ex-miss Estado do Rio, o militar deixou São Paulo e viveu com os rebentos em Belém (PA), Uruguaiana (RS) e Brasília (DF), antes de fixar base em Niterói (RJ).
Na infância, Grael adorava velejar com os tios Axel e Eric. Prebben, seu avô dinamarquês, selou
de vez a parceria do menino com
o mar aos seis anos, quando o presenteou com um barco de 4 m. Foi
o marco inicial de sua carreira.
Prateleira
Quando cresceu, Grael encontrou nortes para seus caminhos
na literatura. Na estante dos livros
favoritos estão guardados os relatos do navegador brasileiro Amyr
Klink e a epopéia do britânico Ernest Shackleton (1874-1922) nas
explorações do pólo Sul.
Há também lugar para a ficção.
"Gosto muito de "O Velho e o
Mar'", conta ele, sobre a obra de
Ernest Hemingway (1899-1961).
No livro, um envelhecido pescador chamado Santiago quer recuperar o prestígio e provar que não
está acabado. Após um longo período sem fisgar peixes, parte para
uma solitária busca em alto-mar.
Assim como o personagem do
livro, Grael entra no barco em
Atenas para se livrar de uma lembrança que o incomoda. Ao lado
de Marcelo Ferreira, seu parceiro
desde 1989, ele tenta exorcizar a
trajetória percorrida em Sydney.
Na Olimpíada de 2000, a dupla
perdeu o ouro na derradeira regata da classe star. "Não estávamos
muito treinados. Agora, pudemos
praticar mais. Não cometeremos
os mesmos erros", explica.
Um novo ouro olímpico seria o
ponto final da carreira? "Não penso em parar. Estou em forma. A
aposentadoria fica para depois."
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