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"Se tivesse preocupado em ganhar prestígio, convocaria mais do Rio"
Folha - Quais as consequências
de a seleção ter, de certa maneira,
saído do eixo-Rio-São Paulo?
Scolari - O eixo Rio-São Paulo
sempre dominou a seleção. Agora
quem está na seleção é um gaúcho. As possibilidades de notícia,
de tititi, de ouvir uma conversa
entre amigos, é muito maior lá no
Sul do que aqui, em São Paulo ou
no Rio. Então os caras já "rãrã"
[faz careta". Perderam a notícia
quente. Às vezes a notícia chega
de segunda mão, então os caras
acham que não pode ser assim.
Folha - Mas acha que há animosidade com o fato de ser gaúcho?
Scolari - Não, com o público
não. Ando na rua... andava na rua,
em algumas convocações anteriores a essa última, eu corria lá na
beira da praia [no Rio", os caras
passavam: "Ei, Felipão, chama o
fulano aí". Normal, normal.
Folha - Você descentralizou a
convocação. Sua seleção é a mais
distribuída nacionalmente dos últimos anos, a menos concentrada
no eixo Rio-SP. Sua origem tem a
ver com isso?
Scolari - Posso ver de dois lados.
Tem a ver com o fato de eu vir do
interior. Mas, ao mesmo tempo,
se os melhores estivessem no Rio,
eu ia ter que convocar. Na minha
opinião, os que eu convoquei são
os melhores. E, por alguma razão,
não estão no Rio ou na sua maioria não estão em São Paulo. Peguei os que achei que me dariam
condições de fazer um bom trabalho. Mas, se tivesse preocupado
em ganhar prestígio nacional com
a convocação, teria chamado
mais dois, três, quatro do Rio.
Folha - Mas, se você tivesse trabalhado no futebol carioca, o único
dos grandes centros em que não
trabalhou, a convocação poderia
ter sido diferente?
Scolari - Talvez eu tivesse mudado, observado mais. É natural.
Trabalhei em Minas, então observo o Cruzeiro, o Atlético, o América, com outros olhos, diferente.
Folha - O assédio do público te incomoda ou te alegra?
Scolari - Me alegra, naturalmente. Tu trabalhas para ter uma situação de conhecimento público,
para as pessoas te reconhecerem,
te valorizarem, te parabenizarem
por isso ou aquilo. Claro que dentro desse contexto tem aqueles
que não concordam. Assim como
tu abanas e agradece aquele que te
elogia, tu também tens que tratar
bem aquele que não concorda
contigo.
Eu lido bem, mas, quando eu
posso, evito ir a alguns lugares,
me abstenho de algumas coisas,
até para evitar certas dificuldades
para mim, ou mesmo para ficar
um pouco mais longe.
Minha família poucos conhecem. Pouco andam comigo e eles
não falam [com os jornalistas".
Folha - Sua família vai assistir a
algum jogo da Copa lá na Ásia?
Scolari - Não, nada.
Folha - Nem numa final?
Scolari - Se for à final, pode ser
que o Leonardo [o primogênito"
vá, mas a Olga [a mulher", não,
nem o Fabrício [o outro filho". Pelo menos é o que vou tentar ver, se
isso é o normal. Nem o Leonardo
quer ir. A Olga disse que ia, mas
conheço bem. Ela vai ficar em casa cuidando das crianças.
Folha - Você é muito caseiro?
Scolari - Na medida do possível.
Até porque sair na rua é um parto.
Saio com a família e não posso ficar junto, porque o pessoal pede
autógrafo, fotos. E o meu menino
mais novo fica puto da cara: "Quero ficar com meu pai".
Folha - Você chamou Ronaldinho,
Kaká e Juninho como meia-atacantes e Rivaldo como atacante. Não
há meia de armação no time?
Scolari - Meias de armação são o
Vampeta e o Kleberson. Eles não
são volantes. Volantes são o
Emerson e o Gilberto Silva. Quem
é o volante no Corinthians? O Fabrício. O Vampeta faz segunda
função, que é a de armador. Foi
ele quem armou a jogada para o
primeiro gol do Corinthians contra o Brasiliense. Na minha opção, o Alex
seria meia-atacante, tanto quanto o
Ronaldinho, assim como o Djalminha
e o Ricardinho [do Corinthians".
Folha - Então, para ter um armador na seleção, o Vampeta ou o Kleberson serão titulares?
Scolari - Se for o caso de jogar
com um meia armador... Só que,
na minha seleção, eu não quero
um armador só, mas alguém que
saiba também marcar, passar
bem a bola. Se vocês examinarem
os jogos do Kleberson, verão que
ele é quem arma as jogadas.
Folha - Você poderia recuar o
Emerson para a zaga?
Scolari - O Emerson não. Só em
caso de emergência. Uma expulsão, fim de jogo, aí tu inventas
qualquer coisa.
Folha - A classificação mais correta para o sistema de jogo do Brasil
não seria 3-4-1-2?
Scolari - É, é mais correto. O Ronaldinho é quem faz a função de
ligação, de atacante e de organizador. Então o "um" [jogador de ligação entre o meio-campo e o
ataque" é o Ronaldinho. Isso não
quer dizer que o Ronaldinho seja
o único naquela posição. Ele pode
fazer dupla com o Ronaldo, e o
Rivaldo seria o "um".
Folha - Porque o "um" do Zagallo
era o Rivaldo...
Scolari - Era, mas ele era um
"um" fixo, ficava sempre aqui.
Podia ir, mas voltava como nenhum dos dois [Ronaldo ou Bebeto" voltava para fazer essa posição. Quando o Rivaldo passava, ele depois voltava para
marcar ali, fazer o "um" de
novo. Agora, não. Se o
Ronaldo passar e ficar, o
Rivaldo faz a posição
dele.
Folha - Você disse
que o 3-5-2 é por causa do Cafu, mas ele
declarou que se
adapta sem problemas ao 4-4-2, é só o
técnico pedir...
Scolari - Ótimo,
isso aí revela que
ele tem vontade de
ajudar. Mas a mim
cabe analisar as
qualidades técnicas
do atleta, se ele consegue fazer isso. É
preciso observar nos
treinamentos se ele vai
conseguir, em 15 dias,
voltar a jogar do outro jeito, se vai conseguir marcar.
Folha - Há muitas críticas sobre o Cafu, inclusive a de que ele
não sabe cruzar, que um levantamento da Folha mostrou não ser
verdadeiro. Sabendo disso e da disposição do Cafu, dá para mudar e
até começar algum jogo na Copa
com o 4-4-2, e não apenas como
uma variação?
Scolari - Se eu sentir, nos dias
que eu tenho aí, 17 dias para trabalhar, que eu tenho confiança,
tudo bem. Só que, até agora, não
tenho essa confiança definida,
não. Até porque eu nem tive possibilidade de treinamento. Eu vou
treinar as alternativas, mas com o
que eu convivi até agora em termos de seleção, principalmente
do lado direito, não me estimula a
fazer essa troca.
Folha - Se o Rogério for o titular,
ele poderá bater faltas?
Scolari - Se nos treinamentos o
aproveitamento dele superar o
dos outros, bate sim.
Folha - Você se queixou do fato de
o Rivaldo ter contratado um fisioterapeuta particular, mas o Ronaldo tem um. Há alguma distinção?
Scolari - Não, não, não. O Filé
[Nilton Petrone, fisioterapeuta de
Ronaldo" é contratado pela Inter,
é pago pelo clube.
Folha - Mas o pessoal do Rivaldo
argumenta que o Renato Fernandez foi pago pelo Barcelona...
Scolari - O pessoal do Rivaldo
não tem nada que argumentar. É
a mesma coisa que tu cometeres
um crime porque o outro cometeu. Só que nem o Rivaldo nem o
procurador dele falaram que,
quando jogamos em Portugal,
nós definimos que qualquer problema, o atleta que estava convocado deveria telefonar ao doutor
Runco, ou ao Felipe ou ao Paixão.
Folha - Ele desrespeitou a hierarquia?
Scolari - Não é que desrespeitou.
O atleta às vezes nem sabe o que
está sendo organizado pelo procurador dele.
Folha - Quando você assumiu, o
Ricardo Teixeira pediu que você
transformasse a seleção num "time
de bandidos". Pelo que se vê, seu
time não tem nenhum "bandido".
O que houve?
Scolari - Ele quis dar uma conotação de um time malandro, experiente, aguerrido, um time com
alguma bagagem, para não sofrer
certas coisas e certos gols que sofremos em outras oportunidades.
E isso aí a gente está tentando fazer.
Folha - Se a seleção ganhar, onde
desembarca primeiro no Brasil?
Scolari - Vamos fazer primeiro
mais ou menos o que é o oficial,
Brasília. Não sei onde vai parar.
Porque eu já disse para vocês: o
presidente determinou, eu vou
cumprir. Para mim... Eu sei para
onde eu vou depois de ganhar a
Copa, já tenho o meu itinerário.
Terminaram as obrigações com a
CBF: "Ó, Felipão, aqui termina".
Então tá bom.
Folha - Até quando vai o seu contrato?
Scolari - Até o último dia da Copa do Mundo.
Folha - E o sexo, ou a falta dele, na
concentração? Você poderia explicar a sua declaração de que quem
não consegue passar 50 dias sem
sexo não é humano, é bicho?
Scolari - Acho isso mesmo.
Quem não consegue se controlar
por um tempo é um animal. Todo
mundo fica espantado com essa
postura, mas só pensam nos jogadores. Ninguém fala nas mulheres
deles, que vão ficar aqui 50 dias
sem sexo. Então elas podem se
abster, e eles não? Eu queria ver
qual seria o comportamento se as
mulheres dos jogadores dissessem que não aguentariam ficar
tanto tempo sem sexo. São dois
pesos e duas medidas.
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