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A saga da pivô cubana Lisdeivi, que veio ao Brasil jogar a Liga Mundial, desertou em Americana e foi contratada pelo Ourinhos para o Nacional
Basquete tira da sombra a primeira atleta refugiada
TATIANA CUNHA
ENVIADA ESPECIAL A OURINHOS
Pela primeira vez na história,
uma equipe de ponta do esporte
brasileiro irá disputar um torneio
nacional com um atleta refugiado.
No país desde maio, a pivô cubana Lisdeivi Victores Pompas,
30, terá a primazia. Contratada
pelo Ourinhos (SP), campeão
brasileiro de basquete, ela disputará, além do Nacional, os Jogos
Abertos, de 20 a 25 deste mês.
Jogadora do Habana, equipe cuja base é a seleção permanente de
Cuba, Lis, como é chamada pelas
novas amigas, veio ao Brasil disputar a Liga Mundial de clubes.
Chegou a Americana (SP), sede
da competição, com uma idéia fixa na cabeça, uma mala de mão,
fotos e US$ 400 no bolso. O calendário mostrava o dia 26 de maio.
Cansada da difícil situação econômica que enfrentava em casa,
queria um novo lar. Muniu-se de
coragem e decidiu: iria desertar.
Nos quatro dias que se seguiram, disputou normalmente a Liga. Até que, na véspera do embarque de volta para sua Havana, resolveu sair em busca de ajuda.
Sem conhecer ninguém na cidade, muito menos no país, foi apresentada ao empresário Alexandre
Rodrigues Coelho, 36. Não hesitou. "Cheguei para ele e falei: "Estou decidida. Vou ficar no Brasil.
Preciso ficar aqui hoje. Nem que
eu tenha que ficar embaixo de
uma ponte'", relembra a atleta,
formada em educação física.
Não foi necessário. Acolhida
por Coelho, Lisdeivi passou os
dois meses seguintes se revezando entre a casa do empresário, da
mãe dele e de outros parentes que
também resolveram ajudá-la.
"Foi um período difícil. Gastei
quase todo meu dinheiro em contas telefônicas. Queria falar com a
minha família o tempo todo, mas
é muito caro ligar para Cuba", diz
a atleta de 1,91 m, tênis 44, que começou a jogar basquete aos nove
anos, na escola. "Fazia ginástica
também, mas meu treinador dizia
que eu era muito alta para isso."
Falante e alegre, ela só se recusa
a falar sobre um assunto: política.
"Não gosto de falar nisso. Meu negócio é esporte. Não deixei Cuba
por causa disso", justifica. "A única coisa que posso dizer sobre o
Fidel [Castro] é que ele é um homem muito bom. Graças a ele estudei e pude fazer uma operação
no joelho", conta, exibindo a cicatriz da cirurgia na perna direita.
Na seleção cubana, Lisdeivi disputou três Mundiais, duas Olimpíadas (Atlanta-96 e Sydney-00) e
foi bicampeã pan-americana, em
99 e 2003. Mas estava perdendo a
posição para colegas mais jovens.
Ela diz que deixou a terra natal
porque o que recebia como jogadora não dava para sobreviver.
"Ganhava uns 430 pesos cubanos
[cerca de US$ 20]. O salário mínimo era de 260. Não dava mais para ficar. Mesmo sem nada, aqui
no Brasil você tem mais futuro."
Com a ajuda do amigo brasileiro, deu entrada nos papéis para
conseguir a documentação para
viver e trabalhar legalmente.
Através da Cáritas, uma entidade da Igreja Católica, conseguiu
também um visto provisório de
refugiada -que vale até o julgamento de seu processo, ainda sem
data certa para acontecer. Pode
ser em 1º de outubro, na próxima
reunião do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão
do Ministério da Justiça que analisa pedidos de asilo político, mas
pode ficar para depois. Caso a solicitação seja recusada, Lisdeivi terá a possibilidade de recorrer.
O Conare não se manifesta sobre o caso. Alega que os pedidos
são sigilosos e que as pessoas podem sofrer discriminação.
Procurada pela Folha, a Embaixada de Cuba em Brasília não comentou o assunto. O ministro-conselheiro Juan Roberto Loforte,
identificado como a pessoa autorizada a falar, não respondeu aos
recados da reportagem.
Em Cuba, Angel Iglesias Guerra, vice-presidente de atividades
esportivas do Inder (Instituto Nacional de Desporte, Educação Física e Recreação), também não
quis se manifestar. "Quem deve
falar sobre isso é a federação de
basquete. Não temos nada com isso." Ninguém da federação foi encontrado para comentar o caso.
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