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Com pouco ou nenhum conhecimento do idioma falado no Brasil, 15 treinadores formam o maior grupo de forasteiros do país nos Jogos
Pelo ouro, Brasil enrola a língua
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
O sonho do ouro esbarrou na
política. Sete dias antes da Olimpíada de Los Angeles, em 1984,
Zdzislaw Szubski foi informado
de que não poderia competir. Seu
país, a Polônia, escolhera aderir
ao boicote do bloco soviético.
Frustrado, o canoísta desfez a
mala, rememorou os detalhes da
preparação, o sacrifício que fez
em cada treino e tomou a decisão
de dar uma guinada na carreira.
Pouco tempo depois, Szubski
deixou sua pátria e foi trabalhar
em Portugal. Lá, aprendeu as primeiras palavras em português,
idioma que utiliza desde 1994 para chefiar a canoagem brasileira.
"Eu não tenho vergonha de falar
errado, por isso todo mundo me
entende. Posso cometer pequenos erros, mas não existe atleta
que fique sem compreender minhas recomendações", afirma.
Seu sotaque meio polonês, meio
lusitano, não é o único dissonante
no grupo brasileiro que vai para
Atenas em agosto. Szubski, 46,
engrossa o coro de 15 treinadores
que nasceram fora do país e vestirão uniformes verde-amarelos.
É um recorde. Em Sydney, sete
técnicos "importados" dirigiram
atletas nacionais. Agora, os forasteiros partem de dez diferentes
pátrias e promovem uma grande
salada com o vocabulário.
Das 26 modalidades já classificadas para competir na Grécia, 11
têm estrangeiros no corpo técnico. A principal fornecedora dessa
mão-de-obra é Cuba, que une tradição a uma política de exportação de know-how no esporte.
Só o Brasil levará quatro representantes da ilha aos Jogos. "Temos muitas oportunidades para
nos aperfeiçoarmos. Mesmo que
você não seja um bom atleta, pode
se tornar um grande treinador",
explica Juan Francisco Alvarez.
Ele vai acompanhar os cinco
pugilistas brasileiros que subirão
ao ringue para tentar derrubar o
jejum de medalhas que perdura
desde a Olimpíada de 1968.
A porta de saída dos técnicos
tem nome: Cubadeportes. Criada
para autofinanciar o esporte local,
a empresa gerencia 75% do salário dos especialistas que são enviados para trabalhar no exterior.
Alvarez recebe R$ 2.000 mensais. Parte da verba é bancada por
um patrocinador da Confederação Brasileira de Boxe. O restante
vem da Lei Piva, que destina recursos das loterias federais ao esporte olímpico e paraolímpico.
Além do dinheiro oriundo do
governo e de empresas privadas,
parcerias com organismos internacionais ajudam a arcar com os
custos da legião estrangeira.
O ucraniano Oleg Ostapenko,
criador dos movimentos que alçaram a ginasta Daiane dos Santos ao posto de favorita a um ouro
em Atenas, recebe seus US$ 3.000
mensais do programa Solidariedade Olímpica, bancado pelo Comitê Olímpico Internacional.
Para os atletas, a dificuldade é
estabelecer uma comunicação eficaz com os mestres que vêm de
longe. Linguagem gestual, improvisos e outros idiomas são os caminhos para realizar a tarefa.
Jacqueline Mourão, ciclista que
vai aos Jogos competir no mountain bike, não teve muitas opções.
Guido Visser, canadense que zela
por sua preparação, não entende
português. "Nós só falamos em
inglês. Quem olha nem imagina
que somos brasileiros", diz.
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