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ATENAS 2004
Casamento e chance de enriquecer fazem técnicos imigrantes mudarem planos e fixarem raízes no Brasil
Mulher e dinheiro seguram os forasteiros
DA REPORTAGEM LOCAL
O jeito engraçado de falar ajudou no primeiro contato. Maria
de Fátima nem precisou fazer
muito esforço para entender as
palavras, mas se atrapalhou quando ouviu o nome. Miakotnykh
Guennadi, então, entregou-lhe
um cartão para facilitar a tarefa.
Ela leu, releu, depois olhou nos
olhos dele e pediu ajuda. "Como
se pronuncia isso?". O ex-esgrimista explicou minuciosamente.
Com a questão resolvida, Maria
aceitou o convite para um café.
Um ano após aquele inusitado
encontro em uma loja de decoração, ocorrido em 2002, Guennadi
e Maria de Fátima se casaram. De
profissional contratado para um
trabalho temporário, ele passou a
engordar a estatística dos técnicos
que decidem criar raízes no Brasil.
Guennadi nasceu em Moscou,
na Rússia, onde adquiriu destreza
para manusear a espada, o sabre e
o florete, instrumentos da esgrima. Foi para Belarus depois da
universidade e virou treinador.
Em 2001, aceitou uma convocação para vir ao Brasil e transmitir
seus conhecimentos para atletas
de um clube de São Paulo. "Não
tive dificuldades com a língua. Na
esgrima, você pode executar o
movimento para explicar o que
quer dizer. Quando percebi, já arranhava o português", relata.
Ele era casado na sua pátria de
origem, mas escolheu trocar de
família. "Foi tudo muito rápido
com a Maria. Hoje não tenho planos de voltar para o meu país."
O caso de Francisco Ferrer Matos é ainda mais emblemático. O
treinador comandou a seleção cubana de saltos ornamentais por 32
anos. Em 1996, recebeu uma proposta para um trabalho temporário em Brasília. Tinha 53 anos,
mulher e dois filhos no país natal.
Ferrer vive hoje no Rio e aguarda o dia de ver os pupilos caírem
na água em Atenas. No ano passado, sob sua batuta, Juliana Veloso
fez a modalidade estrear no pódio
em Jogos Pan-Americanos.
Detalhe: os dois filhos cubanos
vieram viver com ele e com a mulher que conquistou por aqui.
Entre os que desistem da idéia
de voltar para casa, Wei JeanRen é
o que está mais adiantado. Ele
tem até cidadania brasileira.
Treinador da equipe feminina
de tênis de mesa que vai à Grécia,
JeanRen nasceu na China e chegou ao país de forma inusitada.
No meio de uma aula no Japão,
foi interpelado por um dirigente
que dizia ter amigos em uma região da América do Sul interessados na contratação de um técnico.
JeanRen achou a proposta interessante, agarrou a mulher e desembarcou no Brasil em 1989.
"Fui importante para o tênis de
mesa se desenvolver aqui."
Sob seu comando, foram conquistadas 11 medalhas em Jogos
Pan-Americanos. "Fiquei famoso", diz ele, exibindo uma foto na
qual posa ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em 1992, sua mulher deu à luz a
Suzane, nome escolhido, afirma
JeanRen, "em homenagem a Suzano, cidade onde eu morava na
época". O nascimento fortaleceu
seu projeto de nunca mais deixar
o país. Ele não revela seu salário,
mas fala que ganha "mais do que
receberia na China".
Para muitos, sobra tempo para
desenvolver atividades fora da seleção brasileira. Alkas Lakerbai,
por exemplo, aduba o orçamento
da casa com aulas que ministra
em uma academia de esgrima.
Natural de Minski, na Belarus,
ele propõe um desafio à Folha para provar que a família se adaptou
ao Brasil. "Vou colocar a minha
filha no telefone. Duvido que você
perceba algum sotaque", diz.
Karina, 15, não comete um só
deslize no português. De volta à linha, Lakerbai sentencia: "Vamos
ficar aqui".
(GUILHERME ROSEGUINI)
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