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Canoa faz atleta ir de favela a Pequim
Nivalter Santos, 20, é o primeiro brasileiro da história a se classificar para prova olímpica de canoagem de velocidade
Com apenas quatro anos
de experiência, atleta que aprendeu a remar aos 17 anos é o único brasileiro da modalidade na Olimpíada
LUÍS FERRARI
ENVIADO ESPECIAL A SÃO VICENTE
Tinha tudo para dar errado.
Mas Nivalter Santos remou. E
conseguiu, saindo da favela
México 70, em São Vicente,
chegar à Olimpíada de Pequim.
A história do primeiro brasileiro a se classificar para uma
prova olímpica de canoagem de
velocidade é a saga de um atleta
que, além dos rivais do continente, superou dificuldade financeira para atingir sua meta.
O início, há quatro anos, foi
quase uma brincadeira. Meses
depois de trocar a cidade sergipana de Capela e conseguir se
estabelecer no litoral paulista
como empregada doméstica, a
mãe de Nivalter mandou buscá-lo no Nordeste. Foram morar em um prédio da CDHU,
que é vizinho do clube onde ele
treina até hoje.
A matrícula na escolinha de
canoagem custava R$ 20. Um
amigo pagou metade, e Nivalter
freqüentou o curso por 30 dias.
No mês seguinte, sem dinheiro
para mensalidade, largou.
Depois, o técnico Pedro Sena
encontrou Nivalter numa feira
em São Vicente e o incentivou a
retomar as remadas. "Ele é
muito talentoso para o esporte.
Evoluiu muito rápido, considerando que não tem nem um ciclo olímpico completo como
canoísta", diz o treinador.
"Acho que é dedicação. Sempre me dediquei nos treinos,
desde o início, aos 17 anos. E sei
que vou conseguir melhorar
mais ainda", avalia Nivalter,
minimizando seus feitos.
Há duas semanas, ele voltou
a fazer história. Foi o primeiro
brasileiro a disputar uma final
de etapa da Copa do Mundo.
"Achamos que ele ficaria em último, mas encarou os rivais de
igual para igual, e chegou em
quinto", lembra Sena.
O resultado motivou o técnico a sonhar com uma final
olímpica. O tempo obtido por
Nivalter na Copa da Polônia
(1min50s725) é somente um
segundo mais alto que a marca
do oitavo colocado no C1 500 m
nos Jogos de Atenas-2004.
"Quero disputar medalha em
Pequim. Se eu entrar pensando
em chegar à final, talvez não
passe da semi", explica o canoísta, de 1,73 m e 78 kg.
Ele acredita que a experiência em Pequim será o primeiro
passo de uma caminhada olímpica mais longa, pois vislumbra
também os Jogos Olímpicos de
Londres-2012 e os de 2016, ainda sem local designado.
"Depois, posso virar treinador e até fundar um projeto social, se possível em Sergipe, onde há grande necessidade. Comecei velho e hoje sou um dos
melhores do Brasil. Sei que em
Sergipe tem gente forte. Mas isso é para o futuro, porque, no
momento, mal consigo me ajudar. Logo, não tenho como ajudar os outros", diz Nivalter, expondo planos de longo prazo.
Antes disso, sua meta é concluir os estudos. Ele está no primeiro ano do ensino médio.
Mas já tem ajuda de custo de
uma universidade de Santos,
cujos controladores sinalizaram com bolsa de estudos assim que finalizar o supletivo.
"Espero começar na faculdade no ano que vem. E conseguir
depois trabalhar em algo relacionado à defesa de direitos humanos", conta o canoísta, que é
visto como exemplo pelas cerca
de 400 crianças beneficiadas
pelo projeto social Navega São
Paulo, que tem um núcleo na
favela México 70.
"Acho legal o contato que tenho com as crianças. Sempre
procuro incentivá-las e passo
para elas novas técnicas que
aprendo quando vou competir
no exterior. Assim, espero que
a canoagem se desenvolva mais
e mais no Brasil, que só quer saber de futebol", conclui o atleta,
cuja estréia na raia olímpica está marcada para 19 de agosto,
data das disputas preliminares
do C1 500 m.
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