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ATENAS 2004
Dirigentes recrutam descendentes nos EUA para contar com uma equipe no torneio olímpico de beisebol
Grécia monta um time que não fala grego
FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Clint Zavaras jura que nunca vai
esquecer aquele telefonema, numa manhã de fevereiro de 2003.
Aos 36 anos, ex-arremessador
que fracassou na sua única temporada como profissional, em 89,
o americano chegava à sua loja de
artigos esportivos em Denver, nos
EUA, quando um funcionário o
avisou que alguém estava pendurado havia 15 minutos na linha.
Na outra ponta, um convite para disputar uma vaga para a Olimpíada de Atenas. Jogando beisebol. Pela seleção da casa, a Grécia.
"No começo, não entendi nada.
Achei que era um trote ou uma
proposta para trabalhar como dirigente. Eu não jogava, nem de
brincadeira, havia dez anos. Estava fora de forma", contou à Folha.
Mas era sério. "Eu não aceitei,
mas eles continuaram ligando,
uma vez por semana. Em novembro, aceitei ir para um centro de
treinamento na Flórida. Fui aprovado. E agora vou para Atenas."
Zavaras vai. E, com ele, Markakis, Raptopoulos, Pappas e Soteropoulos, Theodorou e Kottaras.
Assim é a seleção de beisebol da
Grécia. Todos, os 22, são americanos, descendentes de gregos. A
maioria atletas fracassados da
MLB (liga profissional dos EUA)
ou até de campeonatos amadores.
Nenhum dos convocados fala
grego e apenas um já pisou em
Atenas: o balconista-arremessador Mel Mellehes, na lua-de-mel.
A anomalia nasceu de uma praxe do COI (Comitê Olímpico Internacional): a de oferecer vagas
na maioria das modalidades para
o país que recebe os Jogos, deixando de lado o nível técnico.
Como o comitê grego planejava
o máximo de participação, encarou o desafio. Só depois foi perceber que, no país, ninguém jogava
beisebol. Não havia nenhum time. E o único campo, em uma antiga base militar americana, estava abandonado, oculto pelo mato.
Em 98, preocupados, os dirigentes começaram a se mexer. Alguém lembrou que os EUA possuem a maior população de gregos fora da Grécia. A última peça
do quebra-cabeça foi encaixada
em setembro daquele ano, quando uma delegação do país visitou
o escritório da MLB: descobriu
que um dos times da liga, o Baltimore Orioles, é de propriedade de
um descendente, Peter Angelos.
Contatado, o milionário aceitou
bancar a empreitada. Eles contrataram um técnico de segunda linha, Rob Derksen, que desde então passou a cruzar o país atrás de
arremessadores, rebatedores e
quetais que tivessem a chance de
obter, rápido, passaporte grego.
O COI impõe quarentena de
dois anos a atletas que trocam de
nacionalidade. Por isso o cuidado
de buscar jogadores que já fossem
gregos -pelo menos no papel.
A cruzada incluiu um inusitado
anúncio em jornais e na internet:
"Procura-se: jogadores de beisebol que sonhem com Atenas".
Em julho do ano passado, o primeiro embrião da equipe se juntou para jogar o Europeu, na Holanda. O resultado foi animador:
vice-campeonato, com derrota
para os donos da casa na final.
O time definitivo, porém, só se
juntará em 1º de agosto, duas semanas antes da estréia em Atenas.
Além do ânimo por participar
dos Jogos, os americanos levarão
um peso: a seleção dos EUA, ouro
em Sydney, caiu no Pré-Olímpico
e não estará em Atenas. "É irônico. Muita gente diz que vai torcer
por nós. É uma responsabilidade", disse Zavaras, rindo, com
uma pontinha de vingança. "Não
tenho pena. Nunca me deram
chance. Agora, os profissionais é
que me verão na TV."
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