São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008 |
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JOSÉ GERALDO COUTO Dia do Futebol
VAMOS ESQUECER por um momento -mas só por um momento- os Dantas e Cacciolas, os Pittas e Mendes, os Euricos e Teixeiras. Vamos esquecer o cinqüentenário da bossa nova, o banquinho, a flor, o violão e o barquinho a deslizar no macio azul do mar. Cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta: hoje é o dia do Futebol. Há 108 anos, num 19 de julho como hoje, foi fundado o Sport Club Rio Grande, da cidade gaúcha de mesmo nome. Segundo consta, é o clube de futebol mais antigo do Brasil (agremiações mais velhas, como o Flamengo e o Vitória, surgiram em torno de outros esportes). Por isso, a então CBD, em 1976, oficializou a data como dia do Futebol. Há motivo para comemorar? Ô se há! Se no mundo todo o futebol é um poderoso elemento de agregação, troca cultural e investimento econômico, a ponto de a Fifa ter mais nações associadas do que a ONU, no Brasil a importância é inestimável. Foi o futebol que nos livrou do "complexo de vira-latas", embora tenhamos recaídas ocasionais. Foi o futebol, e só ele, que nos inspirou a cantar, sem ficar vermelhos, a frase ufanista "com brasileiro não há quem possa". A gente sabe que é mentirinha, mas ela consola e anima mesmo assim. Foi o futebol que deu a milhões de meninos pobres um motivo para sonhar, uma válvula de escape para as duras condições da vida e, em alguns casos, uma perspectiva profissional concreta. Foi o futebol que ajudou a unir cultural e simbolicamente o país, mesmo que com os campeonatos inchados e demagógicos dos tempos do lema "onde a Arena vai mal, um time no Nacional". Foi o futebol que, ao largo do gangsterismo que corrompe grande parte da sua gestão, nos deu tantas tardes e noites de felicidade, seja nos Maracanãs e Pacaembus ou nos campinhos esburacados das mais remotas periferias. Foi o futebol que nos ajudou a compreender um pouco melhor, por intermédio de sábios como Gilberto Freyre, Mário Filho, José Lins do Rêgo, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, Chico Buarque e Jorge Ben Jor, os caminhos da nossa formação e os desvãos do nosso imaginário. O futebol nos deu a majestade de Pelé, a poesia de Garrincha, a fúria de Rivellino, a elegância de Ademir da Guia, a astúcia de Romário, a fantasia de Ronaldinho. O futebol enriqueceu a língua da tribo transfigurando palavras do inglês e criando expressões sem as quais não conseguiríamos mais nos comunicar no dia-a-dia. A garota "colocada para escanteio" pelo namorado talvez nunca tenha ido ao estádio, mas o futebol já se apossou dela. O mesmo vale para o funcionário que diz estar "na marca do pênalti" na empresa, ou para o político corrupto que se queixa da "marcação homem a homem" da imprensa ou da Polícia Federal. Olhe em volta: o futebol está em toda parte. No automóvel, no videogame, no refrigerante, no álbum de figurinhas, na camiseta, na faixa pendurada na janela, no muro pichado. O futebol nos funda e nos constitui. Com ele aprendemos, como nação e como indivíduos, a conhecer melhor nossas manias, defeitos e potencialidades. Sem ele, o que seria de nós? jgcouto@uol.com.br Texto Anterior: Motor: Barrichello, 17 Próximo Texto: Made in China: Aeroporto pode ter bloqueio na abertura Índice |
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