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MADE IN CHINA
Calcanhar de Aquiles
TRAÍDO POR LESÃO NO TENDÃO-DE-AQUILES, LIU XIANG, MAIOR ASTRO
DO ESPORTE NO PAÍS, ABANDONA NA PISTA OS 110 M COM BARREIRAS,
PROVA QUE O CONSAGROU EM ATENAS E AGORA FAZ A CHINA CHORAR
ADALBERTO LEISTER FILHO
FÁBIO SEIXAS
ENVIADOS ESPECIAIS A PEQUIM
Pequim, 24 de junho, inauguração do Ninho de Pássaro,
evento-teste para os Jogos, 45
mil pessoas no estádio com um
só objetivo: assistir ao astro Liu
Xiang nos 110 m com barreiras.
Ele alinha para a largada, mas
a corrida é abortada após alguns metros. O chinês queimara a saída. De propósito, explicaria depois -o atleta que erra
a segunda saída é automaticamente eliminado. "Queria sentir a pressão, porque na Olimpíada tudo pode acontecer."
Cena, atitude e frase que
soam como uma trágica profecia agora, exatos 56 dias depois.
Porque na madrugada de ontem (no horário brasileiro) Liu
alinhou no mesmo Ninho de
Pássaro, desta vez com o dobro
de gente, desta vez valendo pela
Olimpíada de Pequim. Partiu, e
a prova foi abortada.
Mas ele não voltou para a segunda largada. Aqueles metros
foram o bastante para que Liu
sentisse que não dava. Mancando, ele passou pelos colegas e
desapareceu pelo túnel. O estádio lamentou em uníssono.
O maior astro do esporte chinês, ouro em Atenas-2004, ex-recordista mundial, motivo de
histeria do público, de brilho
nos olhos dos patrocinadores e
de satisfação do regime, estava
fora de uma Olimpíada que, em
diversos aspectos, foi forjada
para o seu sucesso.
O motivo, uma inflamação no
tendão-de-aquiles direito, problema que o incomoda "há seis,
sete anos", segundo seu técnico, que exigiu que ele se poupasse neste ano, participando
de poucas competições e centrando o foco nos Jogos. A lesão
voltou a incomodar no sábado e
causou "dor insuportável" no
aquecimento da eliminatória.
"Apesar da dor, ele se preparou 100%. Então, decidiu competir, após passar por tratamento médico. Há diferença
[no desempenho] quando há
dor, algumas ações não são fáceis. Mas ele estava muito determinado a competir", disse
Feng Shouyong, técnico-chefe
da equipe chinesa de atletismo.
"Quando foi para o estádio,
ele mostrou heroísmo e força.
Ele queria competir de qualquer maneira. Ninguém pode
imaginar a dor que ele sentia.
Deixa eu dizer de novo: Liu
Xiang não desistiria ao menos
que a dor fosse insuportável",
completou o dirigente.
Na sala de entrevistas do Ninho de Pássaro, jornalistas chineses choravam. E Sun Haiping, o técnico que descobriu
Liu quando o atleta tinha 12
anos e que o acompanha desde
então, acabou-se em lágrimas.
"Liu Xiang tem um osso calcâneo diferente em relação aos
outros. É mais saliente, o que
torna seu amortecimento mais
difícil. Ele já sofria com isso em
Atenas e, mesmo assim, continuou treinando e competindo
por anos", disse, entre pausas,
mãos na cabeça, lágrimas.
"No sábado, a dor voltou entre um treino intenso e o descanso. Ficamos preocupados. É
uma lesão acumulada há seis ou
sete anos e que se desenvolveu
muito. Havia uma grande pressão e expectativa do povo chinês sobre sua performance.
Mas a dor era muito forte, senão ele não teria desistido."
Segundo Sun, o problema foi
o mesmo que o tirou de um
meeting em Nova York, em
maio -evento em que o jamaicano Usain Bolt bateu o recorde dos 100 m pela primeira vez.
Nos últimos dias, os chineses
cogitaram tirá-lo da prova, mas
decidiram arriscar. Não deu.
"Ele sentiu a lesão quando fazia aquecimento na pista ao lado do estádio. Três médicos estavam lá, ajudando-o a minimizar a dor. Mas o que quer que
fosse feito era inútil", disse Sun.
Na China, o lamento de 90
mil pessoas no Ninho foi ampliado por milhões e milhões.
"O abandono de Liu é um teste para os chineses. Mas ouvi
algumas vaias, o que me traz
preocupações sobre a capacidade mental dos torcedores", escreveu o comentarista Yang
Huan Jun no site China.com.
"Se você realmente gosta de
Liu, deve perdoá-lo", defendeu
Tao Duan Fang, no portal Sina.
"Liu tentou o melhor. O que
quer que ocorra, vamos apoiá-lo. Ele ainda é um herói em nossos corações", disse Li Chengpeng na TV estatal CCTV, que
ontem repetiu durante todo o
dia as imagens do drama.
Liu passará as próximas semanas em tratamento intensivo e não competirá até o fim da
temporada. Só deve voltar às
principais provas em 2009.
A China também passará os
próximos dias se recuperando,
buscando alguém que preencha o espaço deixado pelo ouro
que nunca virá. Todos agora devidamente calejados com a experiência buscada pelo ídolo
em sua única vitória no Ninho.
O tal "tudo pode acontecer".
354
MIL
dólares (cerca de R$ 581 mil)
é o valor da doação que
Liu Xiang fez para as
vítimas que sobreviveram
ao terremoto da Província
de Sichuan, ocorrido
em maio deste ano
12
ANOS
foi a idade com que Liu
Xiang foi recrutado para
treinar salto em altura; aos
15, após um exame nos ossos, ele foi direcionado para
os 110 m com barreiras
13,5
MILHÕES
de dólares, o equivalente
a mais de R$ 22 milhões,
é o valor do seguro das
pernas do atleta chinês,
campeão olímpico dos
110 m com barreiras
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