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Natalie du Toit, sul-africana que perdeu parte da perna em um acidente, pode nadar nos Jogos e fazer história
Amputada abre caminho para Atenas-04
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Faltou Pouco. Dois minguados
segundos separaram Natalie du
Toit do índice para nadar os 800
m livre na Olimpíada de Sydney-2000. Depois de deixar a piscina, a
atleta esqueceu a frustração e lançou um desafio pessoal: aumentaria o vigor dos treinos para não
perder a vaga nos Jogos de 2004.
Ela deve cumprir o vaticínio.
Aos 19 anos, é a melhor nadadora
da África do Sul em suas provas.
Um fato, porém, pode transportar essa trajetória aparentemente
comum para a história olímpica.
Em 2001, Natalie teve parte da
perna esquerda decepada após
um acidente em Cape Town, cidade onde vive com a família.
Agora, com grandes chances de
competir em Atenas, no ano que
vem, ela pode eternizar seu nome.
Um competidor amputado nunca
conseguiu entrar na disputa olímpica em modalidades que exigem
coordenação de todos os membros, como é o caso da natação.
"Depois de perder minha perna,
continuei acreditando que tinha
condições de nadar torneios para
atletas sem restrições físicas. Quero conseguir um lugar em Atenas
e provar que minha deficiência
não traz nenhuma limitação",
contou a competidora à Folha.
Em janeiro, Natalie cravou
9min02s56 nos 800 m livre, tempo
inferior ao índice mínimo exigido
pela Federação Internacional de
Natação para Atenas. A marca,
contudo, foi lograda em evento
não-oficial. Agora, para carimbar
o passaporte, ela precisa triunfar
na seletiva sul-africana, que será
realizada em abril, com uma marca inferior a 9min02s79.
"Sei que tenho a opção de competir na Paraolimpíada [torneio
exclusivo para deficientes], mas
confesso que é apenas uma segunda opção. Vou em busca da
vaga a todo custo", afirmou.
O pensamento voltado para o
futuro faz com que ela rememore
sem dor ou remorso os detalhes
ainda frescos do acidente que mudou os rumos de sua vida.
Fevereiro de 2001. Manhã chuvosa. Após a primeira sessão de
treinos do dia, Natalie montou em
sua moto e deixou o Instituto de
Ciências do Esporte no bairro de
Newsland. Seguia em direção a escola, quando, súbito, uma senhora invadiu sua pista e bateu com o
carro direto em sua perna.
Natalie foi internada inconsciente no Hospital Constantiaberg. A perna esquerda, com uma
gangrena, precisou ser amputada
do joelho para baixo. A atleta só
recobrou a consciência uma semana após a internação.
"O efeito dos sedativos passou e
só então entendi que havia perdido parte da perna. Tudo aquilo
era muito estranho, mas, mesmo
assim, eu só queria saber de nadar, de sair logo do hospital."
De volta
Pouco mais de dois meses após
o acidente, o técnico Karoly Van
Torus topou com sua pupila na
beira da piscina. Era o recomeço.
"Sempre concentrei boa parte
da força nos braços e, por isso,
achava que não teria muitos problemas. Só que acabei perdendo
totalmente o centro de gravidade
e não conseguia encontrar um jeito de me postar na água", relatou.
O fato tem explicação técnica.
Segundo Alberto Klar, coordenador técnico de natação do Pinheiros, as pernas asseguram propulsão, sustentação e equilíbrio.
"De uma só vez, ela perdeu tudo
isso. É preciso estudar biomecânica e fazer experiências para reconstruir a noção espacial aquática de um atleta", contou Klar.
Natalie e seu treinador encontraram uma saída simples. Todos
os dias, ela nadava em círculos na
piscina. Aos poucos, se acostumou ao novo peso do corpo.
Dali em diante, deslanchou. Em
2002, nos Jogos da Comunidade
Britânica, chegou à final dos 800
m livre. Pela primeira vez na história uma amputada nadava entre
as oito melhores competidoras de
um evento de alto nível.
Em Abuja, na Nigéria, no início
deste mês, nova façanha para registrar no currículo. Natalie chegou ao lugar mais alto do pódio
nos 800 m livre. O tempo obtido
na ocasião, 9min09s66, a deixaria
em um honroso quinto lugar no
último Campeonato Brasileiro.
"Não há explicação lógica para
os tempos que essa moça registra.
Ela é um milagre", disse Klar.
Não por acaso, a sul-africana
procura na biografia de Lance
Armstrong a força que precisa para continuar sua caminhada.
O ciclista norte-americano teve
câncer nos testículos, mas superou a doença e hoje é o nome mais
proeminente de sua seara. "Acho
que meu segredo é o mesmo que o
dele: jamais pensamos em parar."
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