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Novos ricos
Nova era põe dinheiro no bolso dos atletas, que vão às compras
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Tempos austeros. Jader Souza
usava o mesmo par de tênis por
um ano, às vezes até dois anos seguidos, não importa o quão surrados e encardidos estivessem.
Era tudo o que sua família no
Macapá podia oferecer. O nadador afirma que nunca reclamou,
mas prometeu que mudaria tudo.
Cumpriu a profecia. "Perdi a
conta de quantos tênis tenho.
Com certeza são mais de 15 pares", diz o atleta de
22 anos, cujo melhor resultado nos
Jogos foi um 12º
lugar no 4 x 100 m
livre.
Ele recebe salário para praticar
esporte. Grande
parte do dinheiro
vem do governo
do Estado onde
nasceu. Revelar o
valor, nem pensar.
Apenas o que, até
agora, foi adquirido com a verba.
"Comprei geladeira e fogão para o meu apartamento. Tenho até
uma máquina fotográfica digital
para registrar minha participação
aqui em Atenas", conta o atleta.
Souza é o retrato de um Brasil
diferenciado que compete na Grécia. Com dinheiro público ou de
patrocinadores, os atletas conseguem realizar audaciosos ou pequenos sonhos de consumo com
economias obtidas em piscinas,
quadras, pistas e tatames.
Só em 2003, as confederações
olímpicas arremataram R$ 29 milhões apenas com recursos da Lei
Piva, oriundos das loterias da Caixa Econômica Federal.
Desse total, R$ 2,43 milhões acabaram diretamente no bolso dos
atletas, em forma de salários ou
ajuda de custo. Foi o suficiente
para produzir casos curiosos, como o do paulista Daniel Baldacin,
da seleção brasileira de handebol.
Campeão no Pan-2003, ele ainda acalentava um desejo desde a
infância: rodar o país a bordo de
uma possante caminhonete.
A equipe começou a receber
uma ajuda de custo em 2004, que
mesclou patrocinadores e recursos da lei. Baldacin aproveitou, retirou do banco uma antiga poupança, juntou tudo e comprou
um veículo com tração nas quatro
rodas. Malas feitas, viajou.
Deixou a cidade de São Paulo,
onde vive, foi para o Chuí e rodou
até o Nordeste. "Faltou apenas a
Região Norte para dar uma volta
completa. É bom deixar algo em
aberto, assim posso viajar de novo no futuro", explica.
O novo tour pelo país, entretanto, não acontecerá com o mesmo
carro. Pouco antes de embarcar
para Atenas, Baldacin teve o veículo roubado.
"Eu estava treinando. Quando
voltei, a caminhonete não estava
onde eu havia deixado. Agora
preciso começar de novo."
Como é praxe entre os atletas,
ninguém fala do valor do salário.
"Não é bom ficar dizendo o quanto ganha. Mas posso dizer que
gasto boa parte do que ganho com
o próprio esporte", conta a velejadora Adriana Kostiw.
Ela explica que até as peças mais
baratas de seu barco, da classe
470, chegam a custar R$ 500. "E
precisam ser trocadas com bastante freqüência", completa.
Mas sempre sobra algo para a
satisfação pessoal, como ocorreu
com o paulista Daniel Hernandes,
judoca que deixou Atenas na nona posição entre os pesados.
Desde criança, ele era encantado pelos modelos mais modernos
de geladeiras, daqueles em que se
pode retirar água pela parte de fora, sem abrir a porta principal.
"Eu sempre tive vontade de ter
um desses, de tomar água sem
precisar pegar a garrafa dentro do
refrigerador. Foi a primeira coisa
que fiz quando consegui juntar
um bom dinheirinho", conta.
Seu colega Mário Sabino foi
mais parcimonioso nos gastos.
Guardou tudo o que recebia para
acabar com o trauma de pagar
aluguel todo mês.
Eliminado na primeira luta entre os meio-pesados, ele tem ao
menos um alento no retorno à
Jaú, no interior de São Paulo, onde cumpre sua rotina como soldado da Polícia Militar.
"Hoje eu tenho casa própria. Só
consegui pagar tudo porque recebia alguma coisa para lutar. Isso é
o diferencial", conta.
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