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TURISTA OCIDENTAL
A VERDADEIRA VITÓRIA DA CORÉIA
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A HIROSHIMA
No dia 12 de agosto de 1995, o
principal dirigente do futebol sul-coreano, Chung Mong-joon, recebeu cerca de dez jornalistas brasileiros para almoçar num hotel
cinco estrelas de Seul. Brasil e Coréia jogariam poucas horas mais
tarde na vizinha Suwon.
Enquanto a comida não era servida, e muitas garrafas de uísque
eram consumidas, Chung entusiasmou-se e anunciou: ""Se a Coréia vencer, cada um de vocês ganhará de presente um Accent".
Trata-se de um modelo médio
da Hyundai, gigante automobilística que tem em Chung um dos
controladores e o maior herdeiro.
Houve constrangimento de uns
repórteres, que recusariam a oferta, e excitação da maioria.
Durante a refeição, com vinho
francês, o sul-coreano -também
deputado, vice-presidente da Fifa,
à época lobista-chefe na disputa
com o Japão para receber a Copa-2002 e hoje cotado para concorrer
à Presidência da República- radicalizou: "Vou dar o carro mesmo se houver empate".
Quando Dunga selou a vitória
brasileira por 1 a 0, um radialista
compatriota seu deu um soco de
raiva na mesa da tribuna do estádio. Não levou o Accent.
A uma semana do fim da Copa,
já é possível dizer que a agressividade demonstrada pelos coreanos para sediar o Mundial e mantida na sua preparação lhes rendeu uma vitória fora do campo: a
organização e a mobilização no
país foram superiores às do Japão.
Nesse embate para ver quem fez
a ""melhor Copa", a Coréia ganhou limpamente. Não precisou
das aberrações de arbitragem que
a permitiram ir longe no torneio e
ontem passar às semifinais.
Com mais de três semanas de
competição, os temores de que
uma Copa na Ásia fatiada entre
dois países pudesse fracassar foram sepultados. A organização
esteve no mínimo à altura da dos
EUA-94 e da França-98.
O problema grave extracampo,
o encalhe de milhares de ingressos, foi atribuído à Fifa e a uma
empresa contratada por ela.
Centenas de milhares de torcedores se reúnem nas ruas da Coréia para assistir às partidas da seleção em telões. No Japão, raramente se alcançou a casa da dezena de milhares. Mesmo assim, numa participação mais ampla que a
dos americanos em 1994.
Os japoneses não marcaram nenhum jogo para a sua capital, Tóquio, e a cidade do maior aeroporto, Narita. Os coreanos
construíram um novo aeroporto em Incheon, e
ergueram, bem como em Seul, um
novo estádio.
Quem desembarca em
Incheon é bombardeado com
propaganda da Copa. Em Narita,
parece que o Mundial não se realiza no país. As ruas das cidades-sedes da Coréia lembram passarelas
de Carnaval. No país vizinho, isso
inexiste. Para dinamizar o Mundial, os coreanos criaram e ampliaram serviços. Templos budistas lançaram um programa em
que os visitantes passam 24 horas,
o que não há no Japão.
Um enorme obstáculo aos turistas estrangeiros nos dois países, o
idioma, foi encarado de modo diferente. A Coréia reforçou um serviço telefônico gratuito em várias
línguas (inclusive português) no
qual intérpretes fazem traduções.
O Japão ignorou a dificuldade.
Na Coréia, em todas as estações
de trem dos municípios que recebem jogos há um posto de informações sobre a Copa. Ontem, na
cidade japonesa de Osaka, palco
de Turquia x Senegal, o guichê do
Mundial já não funcionava.
Potência tecnológica, o Japão,
ao contrário da Coréia, dispensou
internet de rede para os centros
de imprensa -só há acesso telefônico. O estádio de Yokohama abriu para um jogo
com obras em andamento.
Na origem do contraste
está a frustração com a
divisão, em 1996, da
hospedagem da Copa.
Os dirigentes japoneses pensavam que a
escolha do país eram
favas contadas
-mas a Fifa votou
pela sede dupla.
Mesmo só com
metade do torneio,
e sem a final, a Coréia comemorou o
feito sobre o país
que de 1910 a 1945
a ocupou. As ambições foram diferentes. A seleção
coreana contratou
um dos técnicos
mais conceituados
do mundo, Guus
Hiddink, ex-Holanda. A japonesa, Philippe Troussier, ex-África do Sul.
Pouco antes da Copa, pesquisa em dez
países apontou a Coréia como o país onde o
interesse era maior. O Japão era o nono. De um lado, o engajamento popular
intenso. De outro, morno.
A organizada Red Devils
(Diabos Vermelhos) se consagrou com o grito de "Tae
Hae Ming Kook" ("República
da Coréia"). Foram criadas torcidas para os 15 times visitantes.
A favor do Japão: só aqui a seleção brasileira sentiu o clima de
Copa. Em Ulsan (Coréia), quase
não havia assédio. Com a mudança de país, torcedores passaram a
perseguir e acompanhar o time,
como em outros Mundiais.
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