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FUTEBOL
Pesquisa da Unicamp mostra que preconceito à presença das mulheres nos gramados explodiu na ditadura Vargas
Quando o Estado proibiu futebol no Brasil
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Futebol no Brasil não é como
nos Estados Unidos, na China ou
na Noruega. No país pentacampeão do mundo, o espaço reservado à mulher tem sido a beira do gramado, onde pode trabalhar
como animadora de espetáculo.
No campo, com a bola nos pés, é
difícil cavar um lugar. A modalidade, afinal, não pegou como em
outros países. Os obstáculos para
a prática do futebol feminino no
Brasil continuam muito grandes.
Foi para detectar essas barreiras
que o pesquisador Eriberto Lessa
Moura, 37, mestrando em estudos do lazer pela Faculdade de
Educação Física da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), resolveu debruçar-se sobre as origens do esporte no país.
"Desde o início, as dificuldades
para a mulher [jogar futebol] foram grandes, mas elas se tornaram ainda maiores durante o Estado Novo [período do governo
Vargas entre 1937 e 1945]", disse
Moura à Folha, por telefone.
Em 1937, Getúlio Vargas se antecipou à eleição que aconteceria
no ano seguinte e desencadeou
um golpe de Estado, implantando
uma nova Constituição e uma ditadura, que duraria até 1945.
No período, aprofundou o vetor
centralizador do Estado, criando
o Departamento de Administração do Serviço Público, o Dops,
espécie de polícia política, e o Departamento de Imprensa e Propaganda, dedicado à censura e à
exaltação dos feitos do governo.
Na área esportiva, a história não
foi diferente. Criou leis para o setor e passou a controlá-lo com
mão-de-ferro. "Foi aí que a pressão para as mulheres se afastarem
do futebol aumentou muito. Elas
deveriam se limitar a praticar esportes que o governo considerasse condizentes com suas funções
de mães ou futuras mães."
Leonardo Pereira, autor de
"Footballmania", livro sobre as
origens do futebol no Rio, concorda com o colega. "A visão que
temos, que faz do futebol um jogo
essencialmente masculino, foi
construída historicamente, fruto
de um amplo movimento que,
desde o final dos anos 30, tratou
de atacar a participação feminina
e construiu a idéia de que o jogo
não seria adequado às mulheres."
O Estado Novo criou o decreto
3.199, que proibia às mulheres a
prática de esportes considerados
incompatíveis com as condições
femininas. Segundo Moura, o futebol estava incluso entre eles, ao
lado de halterofilismo, beisebol e
de lutas de qualquer natureza.
Quando o decreto foi regulamentado pelo regime militar
(1964-1985), em 1965, o futebol feminino foi proibido no Brasil. Só
16 anos depois foi revogado pelo
Conselho Nacional do Desporto.
Mas, muito antes disso, o futebol no Brasil já era um esporte
eminentemente masculino. A
mulher que o praticasse era vista
com preconceito, já que a trajetória da modalidade no país foi diferente da vivida pelos homens.
De acordo com a pesquisadora
Heloísa Bruhns, autora de "Futebol, Carnaval e Capoeira - Entre
as gingas do corpo brasileiro", enquanto os homens da elite começaram a praticá-lo no final do século 19 em São Paulo e no Rio, o
grupo feminino que aderiu à prática do futebol era pertencente às
classes menos favorecidas.
Do preconceito social ao esportivo teria sido um passo. Segundo
Bruhns, mulheres que jogavam
eram consideradas "grosseiras,
sem classe e malcheirosas".
Às mulheres da elite cabia o papel de torcedoras. "As partidas de
futebol [masculino] eram um
evento da alta sociedade e as mulheres se arrumavam para ir assistir aos jogos", afirmou Moura.
Mas, com o passar dos anos, o preconceito chegou às arquibancadas -e a violência também- e até lá a mulher perdeu espaço.
Como disse a professora Heloísa Reis, estudiosa do comportamento das torcidas em estádios de futebol, "quando as mulheres
participam das organizadas, elas
tendem a adotar o comportamento agressivo masculino, o que talvez seja uma tática para ser aceita mais facilmente pelo grupo". E,
no final, só serve para aumentar o estereótipo e o preconceito contra
a mulher no futebol.
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