São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Cobertura da seleção registra esforço de reportagem, jornalista-torcedor e tensão

Furo?

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SAITAMA

O último bate-boca entre um integrante da seleção brasileira e um jornalista na Copa de 98 ocorreu depois da final França 3 x 0 Brasil, na zona mista, a área de entrevistas pós-jogo nos estádios.
O então técnico Zagallo lamentava a crise de Ronaldo horas antes quando o repórter Mauro Leão, do jornal "O Dia", indagou: "Por que ele foi escalado?".
Zagallo se enrubesceu e berrou: "Você agora está no seu momento. Vocês devem muito a mim". Leão retrucou: "O momento é dos franceses".
Enquanto a equipe vence, a zona mista costuma ser não só um lugar de troca de empurrões por uma boa posição mas também de um certo clima de jardim de infância. No Mundial-2002, os jogadores demoravam a aparecer, e quem passou foi o roupeiro (ou ""mordomo", como diz o técnico Luiz Felipe Scolari) Rogelson Barreto. Alguns jornalistas brasileiros gritaram: ""Barreto! Barreto! Barreto!". Um membro do comitê organizador da Copa passou de cabelo pintado. O coro: ""É Paulo Nunes! É Paulo Nunes!" -referência ao ex-atacante da seleção, loiro graças à química.
O lateral Belletti, único jogador (fora os goleiros reservas) que não atuou, costuma ser pouco procurado. Alguns repórteres na zona mista chamam seu nome e, quando o atleta se vira, escondem-se atrás de colegas ou fingem não ter chamado.
Esses são capítulos pontuais, e não comuns ao conjunto da mídia, na cobertura da campanha do Brasil no Japão e na Coréia.
O trabalho é igualmente marcado por esforços de reportagem como o dos fotógrafos no domingo para registrar o banho de jogadores na piscina do hotel em Saitama (região de Tóquio). Proibidos de se aproximar, eles subiam e desciam no elevador panorâmico, de onde fizeram as imagens.
""O que mais chama a atenção na cobertura da seleção brasileira são os radialistas", diz o jornalista londrino Brian Homewood, 38, da agência Reuters, que mora e trabalha no Rio. Foi possivelmente o precursor do emprego da tradução ""Big Phil" para ""Felipão", hoje adotada pela imprensa internacional ao citar o técnico.
""É engraçado ver o pessoal de rádio gritando em telefones públicos dos hotéis. Parece que estão narrando um jogo emocionante, porém estão contando a que horas Scolari acordou. É uma emoção tremenda para informar uma coisa banal."
Homewood foi um dos cerca de 300 jornalistas que acompanharam ontem o último treino da seleção, no Omya Park (ao lado de Saitama), antes da partida de hoje contra a Turquia. Para o indiano Arun Sengupta, 42, que cobre o Brasil na Copa, ""os radialistas são mesmo muito agitados. São os verdadeiros papparazzi [fotógrafos sensacionalistas" brasileiros." Uma das características deste Mundial é o emagrecimento das equipes jornalísticas, mesmo da TV Globo -de 150 para 115-, que passou a deter o monopólio da transmissão televisiva por canal aberto para o Brasil.
Em 1998, a rádio K do Brasil, de Goiânia, transmitia treinos coletivos com narrador, comentarista e repórteres. ""Agora não há sentido porque o fuso é contrário [o Japão está 12 horas à frente de Brasília"", diz o repórter Alípio Nogueira, 34. ""O mais difícil para nós é trabalhar em dois horários. Um é o do que acontece aqui. Outro, o da programação no Brasil."
Um dos colegas de Nogueira na rádio K é Pierre Carvalho, 44, também da carioca rádio Mania. Ex-coordenador dos cursos de culinária de uma rede de supermercados, ele levou 10 mil bandanas da emissora carioca para distribuir. Descobriu, em Ulsan (Coréia do Sul), que um atravessador pegava os brindes e os vendia a R$ 4 a uma butique, que cobrava R$ 10 a unidade.
Carvalho reclama do que considera favorecimento de Scolari a jornalistas do seu Estado, o Rio Grande do Sul, o que técnico e jornalistas gaúchos negam.
Após a goleada de 6 a 0 sobre a Bolívia neste ano, antes de fazer a pergunta, um radialista gaúcho elogiou os diversos títulos conquistados por Scolari: ""Tu és um multicampeão, uma múmia de tantas faixas que tu tens".
Integrantes da delegação brasileira insistem numa tese peculiar: é bom tanto para o time como para os jornalistas que o Brasil vença. Reservadamente, muitos concordam, numa visão que distorce a função jornalística: a de informar objetivamente.
Certas figuras de jornalista-torcedor do Brasil são paradigmas de compostura em comparação com o que se vê na Copa. Repórteres de Camarões trabalham com a camisa da seleção. Ingleses, não só com a camisa, mas com cabelos cortados e pintados no formato da bandeira e imitando o corte de Beckham.
A relação entre jogadores e jornalistas às vezes é tensa. Em 1994, Romário e Dunga levantaram o troféu bradando palavrões aos fotógrafos próximos.
O assessor de imprensa da seleção, Rodrigo Paiva, 38, diz que há menos restrições na cobertura do Brasil que em seleções européias -o que é verdade em muitos casos. ""Na Europa, se a gente disser para ficar aqui, eles ficam, e é o paraíso. Os brasileiros são mais exigentes". Perto de onde Paiva falava, o místico Thomas Green Morton, 55, dizia estar no hotel da seleção a convite de um repórter. Usava colar com moedas entortadas por sua ""mentalização positiva" e exalava o aroma de patchouli, também ""produzido" por ele. Deu entrevistas a valer.


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