|
Texto Anterior | Índice
FUTEBOL
Segundas intenções
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Discute-se muito no futebol
se o jogador teve ou não intenção de acertar o adversário, de
fazer pênalti, de pôr a mão na bola dentro da área e outras situações parecidas. Vou divagar sobre
o assunto. Divagar é preciso.
A intenção está relacionada ao
desejo consciente, à vontade e ao
pensamento. É a primeira intenção. A segunda intenção, expressão que se tornou popular, é o
pensamento consciente que se esconde, enquanto se manifesta o
outro.
O ato falho é o desejo inconsciente que se expressa no lugar da
intenção. Para a psicanálise, o ato
falho é o real desejo, que já foi
consciente e, reprimido, se tornou
inconsciente. O ato falho é diferente da segunda intenção porque é inconsciente.
Freud escreveu um livro, sobre o
ato falho, que continua atual e
popular. É clássico o ato falho
do(a) palestrante que está louco(a) para se encontrar com a
pessoa amada e inicia o discurso
com as palavras: "Está encerrada
a sessão". Aí percebe o engano,
pede desculpas e diz que foi uma
distração.
Volto ao futebol. Edu Dracena
teve intenção de quebrar o nariz
do Alex Alves, foi uma agressão
involuntária, um acidente ou um
ato falho? Nem Freud explica.
Não acredito que ele tenha planejado a agressão e nem que ela foi
totalmente por acaso. O zagueiro
subiu para cabecear a bola e no
meio do caminho, sem pensar,
num impulso agressivo, estendeu
o braço e acertou uma cotovelada
no atacante.
Essas faltas involuntárias, às vezes violentas, acontecem com freqüência no futebol. O jogador dá
um carrinho na bola, solta a perna e atropela o adversário. Luis
Fabiano tem o hábito de abrir os
braços para afastar o marcador e
atinge a face do rival. Augusto
Recife foi desarmar o jogador do
Inter e chutou-lhe o tornozelo.
Não sou também tão ingênuo
para achar que todas as faltas
violentas são involuntárias. Porém elas são maioria. O árbitro e
a Justiça julgam o fato, não a intenção. Por isso, a regra fala em
imprudência e em força desproporcional. Não dá tempo também
para o árbitro, numa fração de
segundos, diferenciar se foi intencional ou não.
Mas os árbitros precisam ter o
bom senso. Essa não é uma qualidade frequente no ser humano, de
separar as pequenas faltas leves,
comuns, das violentas. Ter critério não é unificar as diferenças.
Edu Dracena, com ou sem intenção, foi imprudente e violento
e merecia ter sido expulso e suspenso. Augusto Recife foi imprudente, mas cometeu uma falta leve, comum, e não deveria levar o
cartão vermelho. Os dois árbitros
decidiram o contrário.
Alguns jogadores cometem faltas violentas, não são expulsos e
passam a fazer isso com frequência. Criam o hábito. Eles têm de
ser punidos até aprenderem.
Nenhum defensor tem também
a intenção de cometer pênalti e
colocar a mão na bola dentro da
área, com exceção da bola que vai
entrar e o jogador impede com as
mãos. Nesse caso é burrice, porque ele vai ser expulso e o pênalti
será marcado.
Com ou sem intenção, é pênalti
se o jogador movimenta o braço e
corta a trajetória da bola. Não é o
caso do Leandro contra o Inter,
que estendeu o corpo e tocou a bola com o peito. Isso ficou ainda
mais claro pela trajetória da bola.
Vou parar por aqui. Não tinha a
intenção de estender o assunto. Já
divaguei demais.
Todo menino é um rei
Pelé completou 63 anos. Não parece. Ao vê-lo na televisão, lembrei do meu querido pai. Em 66,
fui convocado pela primeira vez
para a seleção que ia disputar a
Copa do Mundo e conheci o Pelé.
A equipe fez um jogo-treino contra o Cruzeiro, em Caxambu
(MG), e meu pai foi me visitar.
Conversamos no hotel da seleção, e ele, após me dar instruções
técnicas, como fazia sempre, perguntou: "Você já conhece bem o
Pelé?". Respondi: "Sim, ele é legal,
vou apresentá-lo a você".
Meu pai não conseguia falar,
gaguejava, e o Pelé, como sempre,
brincava e sorria. Pelé não tinha
pose de rei. No final, meu pai pediu um autógrafo e chorou. Para
ele, a palavra rei não era um simples apelido, um título simbólico
dado ao melhor jogador do mundo. No imaginário de meu pai,
Pelé era um rei de verdade, como
os que sonhara na infância.
Toda criança sonha um dia ser
um rei ou rainha. Na verdade, ela
não sonha. No seu pensamento,
ela é. A criança cresce, o sonho
persiste, mas ela aprende que a vida não é um conto de fadas.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
Texto Anterior: Futebol - Rodrigo Bueno: Questão técnica Índice
|