São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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FUTEBOL

Assessor de imprensa particular se prolifera por grandes clubes do país ao oferecer contato diário e promessas de fama

Jornalista-babá faz boleiro surgir e sumir

FÁBIO VICTOR
DO PAINEL FC

Já vai longe o tempo em que o profissional mais próximo do jogador de futebol era o massagista. A espetacularização do esporte e a evolução da mídia criaram um tipo que se multiplica com velocidade, a ponto de hoje invadir os grandes clubes brasileiros: o assessor de imprensa de boleiro.
Tão ligados a seus contratados quanto um cego a seu cão, eles são pagos para manter jogadores e técnicos em voga na imprensa. Costumam buscar o objetivo inundando de e-mails, faxes e telefonemas as redações dos veículos de comunicação.
A insistência é proporcional à fama. Também faz parte do serviço isolar as estrelas do assédio dos jornalistas. "Os jogadores me procuram para ter mais espaço na mídia. Com o tempo, o efeito é contrário, eles passam a pedir para não marcar tantas entrevistas", conta Fabio Bolla, assessor de sete atletas do Palmeiras, do técnico do Corinthians, Tite, e com clientes espalhados por outros clubes.
Bolla seguiu uma trajetória comum nesse mercado: trocou de lado no balcão. Na condição de repórter de esportes ele conheceu a maioria dos seus assessorados. Depois montou seu negócio.
Mas não deixou a imprensa de vez. Segue como repórter da rádio Nove de Julho, cobrindo justamente o Palmeiras. Questionado sobre a situação, Bolla afirma: "Há um conflito de interesses, acho até um pouco de falta de ética. Se o Lúcio [seu assessorado] vai mal, o que vou dizer? Não posso falar mal de quem me paga. Mas vou parar de fazer isso".
Ele era também assessor da organizada palmeirense Mancha Alviverde. A torcida pediu cabeças de jogadores, entre eles clientes seus. O jornalista diz que rompeu o contrato com a Mancha.
No Palmeiras, Bolla disputa a hegemonia do time com Cláudio Farina, que assessora as maiores estrelas, o goleiro Marcos e o atacante Vágner. Esse tipo de competição foi um dos motivos apontados pelo clube para, no ano passado, ter vetado a entrada de assessores em treinos.

Office-boy
A proibição, inédita nos grandes clubes de São Paulo, é criticada pelos profissionais, principalmente porque rompe num momento crucial um contato estreitíssimo. Os assessores em geral são amigos dos boleiros.
Inevitável que a relação profissional -que começa na intermediação com a mídia e na orientação sobre como agir diante dela- se misture com a pessoal. Assim, alguns levam filhos de jogadores para passear, outros oferecem serviços de office-boy para pagamento de pendências domésticas, muitos seguram barras existenciais do cliente-confidente.
A construção de um assessor ajuda a explicar a relação. O mais comum é o jornalista trabalhar para um clube e, amizade feita com os boleiros, passar a assessorá-los de forma particular.
Foi o que ocorreu com um dos pioneiros da atividade no Brasil, o carioca Rodrigo Paiva. Ele começou a atuar no Flamengo como relações-públicas. Virou assessor de imprensa em 1992, quando o cargo inexistia no futebol.
Em 1995, iniciou trabalho com Romário, talvez o primeiro caso de um jogador famoso a ter seu assessor particular. Em 1999, deixou o clube e trocou de craque: passou a assessorar Ronaldo.
Exerce a função até hoje, simultaneamente à de assessor de imprensa da seleção brasileira. Paiva diz não ver problema no acúmulo. "Ninguém pergunta se há conflito de interesse em um médico trabalhar ao mesmo tempo num clube, na seleção e ter a sua clínica. Isso é típico de jornalista, que é muito crítico com sua classe."
Os casos se sucedem. Após quase oito anos como assessor do Santos, Walmir Lopes foi demitido na esteira de um episódio em que teve que dar versões em nome do clube e de seu cliente Fábio Costa. No início do ano, o goleiro se transferiu para o Corinthians brigado com o Santos. Aos repórteres que lhe questionavam sobre a situação, Lopes respondia: "Pelo Santos, digo que ele fica; como assessor do Fábio, digo que ele sai".
"Havia interesses divergentes, mas procurei agir corretamente com as duas partes", diz ele.
O assessor do Corinthians Luciano Signorini é outro que trabalha para jogadores do clube.
O mercado surgiu há cerca de quatro anos, mas o seu boom é um fenômeno recentíssimo. De dez assessorias ouvidas pela reportagem, cinco foram abertas há menos de dois anos.
O goleiro Juninho, 22, do Vitória, conta que contratou um assessor durante o Pré-Olímpico do Chile, em janeiro, que disputou como reserva da seleção. "Mesmo na reserva, meu assessor divulgou informações minhas. Se eu precisasse entrar no lugar do Gomes, o Brasil já saberia quem eu era."
Outro jovem atleta, o volante gremista Leanderson, 21, contratou o seu há dois meses. E explica: "Mesmo se eu não estiver bem, o assessor pode mexer seus pauzinhos e mostrar o que já fiz".
O crescimento do mercado é tão voraz que até auxiliares técnicos e jogadores de divisões de base já possuem assessores. A VR Esportes, de MG, tem 27 atletas como clientes, só dez profissionais -o resto infantis, juvenis e juniores.
"O empresário me contrata para assessorar um jogador dele e pede para incluir garotos no pacote", relata Paulo Vilhena, da VR. Aí, cobra-se uma pechincha: R$ 300 mensais por atleta.
Com profissionais, o valor varia de R$ 500 (jogador de pouca expressão) a R$ 2.500 (craque de seleção). Os contratos, muitos dos quais "no fio do bigode", costumam ter duração de um ano. As receitas podem chegar a R$ 50 mil mensais, como na carioca FD Assessoria, que tem 50 clientes.


Colaboraram Eduardo Arruda, Paulo Cobos, Paulo Galdieri e Ricardo Perrone, da Reportagem Local

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