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FUTEBOL
Freguês do Felipão
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
A Eurocopa-2004 está melhor do que as anteriores. A
maior parte das seleções está mais
ousada e equilibrada. A deficiência principal é técnica. Há poucos
craques.
Alemanha, Espanha e Itália foram eliminadas na primeira fase,
e a Inglaterra caiu nas quartas-de-final. Isso é mais uma evidência de que os campeonatos nacionais desses países são ótimos por
causa dos estrangeiros. Isso prejudica a renovação.
Discordo do antigo conceito de
que os jogadores brasileiros são
indisciplinados taticamente. Isso
já era. Se a situação do futebol
brasileiro fosse outra, os atletas
não precisariam jogar na Europa
para evoluírem na parte tática.
Os craques brasileiros unem a disciplina tática com a improvisação
e a fantasia. Por isso são melhores.
Está ultrapassado também o
conceito de que os técnicos europeus são superiores aos brasileiros. Na verdade, há poucos excepcionais técnicos aqui e no exterior. Os profissionais brasileiros
de apoio aos atletas (preparadores físicos, médicos, nutricionistas, fisiologistas, fisioterapeutas e
outros) também são melhores.
Após fazer o primeiro gol contra
França e Portugal na Eurocopa e
contra o Brasil no Mundial de
2002, a seleção inglesa, dirigida
pelo mesmo técnico, foi toda para
a defesa, não contra-atacou e perdeu os três jogos. Contra o Brasil,
mesmo perdendo por 2 a 1 e com
um jogador a mais, os ingleses
continuaram na defesa. Eles só
treinaram isso.
Já Scolari fez as substituições
corretas e pouco convencionais,
como é o seu estilo, e Portugal eliminou a Inglaterra. O famoso técnico sueco, Sven-Göran Eriksson,
virou freguês do Felipão.
Visão periférica
Os técnicos, muitas vezes com
razão, contestam as críticas com
argumentos de que os comentaristas não assistem aos treinos.
Essa é uma de nossas limitações.
Porém, pela informação dos repórteres que fazem a cobertura
dos clubes, pelas imagens diárias
na televisão e pelo que vejo nas
partidas, parece que os jogadores
quase só treinam as jogadas de
bolas paradas. Essas são importantíssimas, precisam ser ensaiadas, foi uma evolução, mas há
também outras maneiras tão eficientes e mais prazerosas de jogar
futebol.
Além das bolas paradas e dos
fundamentos técnicos (deveriam
ser mais treinados nas categorias
de base) é preciso ensaiar outras
situações que acontecem no jogo.
São inúmeras. Até o desespero no
final de partida, o "abafa", deveria ser exercitado.
Todo time necessita treinar as
maneiras de vencer uma retranca, como as já famosas duas linhas recuadas de quatro. Ao mesmo tempo, o treinador orienta o
posicionamento dos defensores
para evitar o contra-ataque.
Até as equipes mais ofensivas
deveriam se preparar também
para jogar na defesa. São circunstâncias de uma partida. Simultaneamente, posicionam-se os
meias e os atacantes para organizarem o contragolpe.
No segundo tempo, sempre que
um time está perdendo, o técnico
grita na lateral para sua equipe
marcar por pressão. Um jogador
pressiona, e o companheiro apenas fica olhando. Não funciona.
Não basta o técnico pedir. É preciso treinar essa marcação.
Percebo ainda que as equipes,
em sua maioria, não sabem o que
fazer quando ficam com um jogador a mais ou a menos.
Há um grande número de situações que podem ser treinadas.
Quem tem de improvisar são os
jogadores, em lances individuais,
e não os treinadores.
Muitos técnicos vão dizer que
falo o óbvio e que fazem isso de
rotina. Não é o que vejo na maior
parte dos jogos.
Outros técnicos vão reclamar
que não há tempo para treinar.
Mas há para brincar bastante de
"bobinho" e outras coisas pouco
importantes ou menos urgentes,
como os treinos desta semana do
Corinthians para aumentar a visão periférica dos jogadores. Isso
leva tempo para dar resultado. O
time tem urgentes prioridades.
Antes de treinar a visão periférica, os jogadores precisam enxergar o que está à frente.
Os técnicos europeus, e também
alguns brasileiros que copiam as
coisas ruins de fora, adoram fazer
treinos coletivos com as mãos, como se fosse handebol. Nenhuma
explicação científica vai me convencer da eficiência desse treinamento.
Futebol se joga com os pés, com
a cabeça (nos dois sentidos) e com
a alma.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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