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A trajetória do menino espichado que saiu de São Carlos e chegou à NBA
Maybyner, mas pode me chamar de Nenê
LUÍS CURRO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO CARLOS
"Faço aula aqui há umas sete semanas. Gosto desse esporte. E
gosto por causa do Maybyner. Ele
é daqui de São Carlos, mas está
nos EUA. No Denver Nuggets."
Num início de tarde ensolarado
e abafado, Rodrigo da Silva Barros, 11, faz uma pausa em seu treino na Escola de Basquete Meneghelli, em São Carlos, interior
paulista, para responder à Folha
sobre seu interesse pelo basquete.
"Maybyner? É o Nenê? Ele tem
2,10 m, nos olha lá do alto", interrompe seu colega de aprendizado
Leonardo Paganelli Meneghelli, 9,
filho do dono da escola particular.
"Gosto muito das enterradas
dele", completa outro aluno, Arthur Lopes da Rosa, 13.
A poucos metros, Nivaldo Carlos Meneghelli Júnior, 38, esforça-se para organizar uma fila e ensinar a 17 alunos o modo correto de
se arremessar um lance livre.
"Hoje tenho 80 alunos, todos
eles torcedores do Denver", diz o
professor e treinador de basquete.
"Mas logo deve chegar a 95, a procura tem aumentado." Há dez
anos, Meneghelli teve sua época
de ouro: chegou a contar com 200
alunos. Era o momento em que o
Chicago Bulls, com Michael Jordan, Scottie Pippen e cia., iniciava
sua dinastia na NBA, a liga profissional norte-americana.
Em um daqueles dias, recebeu
para uma aula um rapaz espichado, que se apresentou ("É Maybyner, mas me chamam de Nenê") e
disse que estava ali por recomendação de seu professor de educação física, que achava que ele poderia dar certo no basquete devido à precoce boa estatura.
Maybyner Rodney Hilário, apelidado Nenê ("Por seu o mais novo da família e por ter aparência
de criança", explica o próprio), já
tinha certa vocação esportiva, de
modo que não fazia feio no futebol, judô ou atletismo. E não foi
diferente no basquete, conforme
logo percebeu Meneghelli: "Sempre foi solto, com prazer, vontade.
Não tinha nunca medo de errar".
Os dias de basquete, porém, pareciam contados. De classe média
baixa, dividindo uma casa humilde com os pais, o irmão, a irmã e a
avó, Nenê, após dois meses, não
tinha mais dinheiro para a mensalidade -hoje, de R$ 35.
Mas Meneghelli, sensibilizado
com a empolgação do jovem atleta, conversou com os pais de Nenê e não deixou ele parar. "Falei:
"Se dou aula para 200, vou dar para 201. Deixa ele aí, e vamos tocar"." Ficaram juntos até 1999, porém nunca o treinador imaginou
que, uma década depois, o pupilo
alcançaria o basquete mais competitivo e milionário do planeta.
"Achava que ele seria um jogador de time grande, mas a NBA é
muito sério", diz Meneghelli, em
uma mescla de espanto e orgulho.
Adeus Brasil
A National Basketball Association tornou-se embrionária na vida de Nenê nove meses atrás,
quando José Antônio Santos, um
canadense filho de portugueses,
começou a colocar na cabeça do
ala-pivô, e também da família dele, que a carreira nos EUA seria
uma opção para o médio prazo.
Santos, 27, que acompanha o
basquete brasileiro desde o início
de 2000, é contato de Michael
Coyne, um agente de atletas reconhecido oficialmente pela NBA.
Desiludido com o atraso de cerca de cinco meses nos pagamentos do Vasco, em março Nenê embarcou com Santos para Cleveland, Meio-Oeste americano.
Lá, ambos se fixaram, e o brasileiro começou a treinar e a se exibir para olheiros, com a intenção
inicial de, com seu talento, obter
uma bolsa em uma universidade.
"Ele começou a treinar bastante
e ganhou massa muscular. Vários
técnicos olharam para ele e disseram que poderia ter sucesso na
NBA", recorda-se Santos.
Em 12 de maio, Nenê estava inscrito no "draft", a seleção de novatos para a liga norte-americana.
No decorrer do mês, continuou
a se exibir em várias cidades e impressionou. "Atleticamente, ele
[20 anos, 2,11 m, 120 kg, 2,26 m de
envergadura, pés número 50] tem
um físico diferenciado. É um jogador realmente fascinante", comentou Randy Pfund, dirigente
do Miami Heat, um dos times que
demonstraram interesse no brasileiro, dias antes do "draft".
O físico é justamente o trunfo de
Nenê, que ainda precisa evoluir
na parte técnica, diz o técnico Meneghelli. "Ele tinha dificuldade de
arremesso, então pegava a bola e
se virava até socar [enterrar]."
Foi com Meneghelli que Nenê
aprendeu a enterrar. E o treinador
não teve muito trabalho. "Falei só
uma vez. Sobe, traz o aro no peito!
Ele pegou fácil. Caía mesmo em
cima dos caras e saía vibrando."
Nos EUA, além de intensas doses de treinamento e musculação,
o brasileiro ganhou ainda mais
corpo ao recorrer a suplementos
alimentares. "Aqui é outra estrutura, tudo ajuda a desenvolver
meu biótipo. Tenho tomado direto Myoplex, um pó [um composto
rico em proteínas]", diz Nenê.
Em 26 de junho, Nenê viveu seu
grande dia. Sentado nas primeiras
filas da platéia do Madison Square
Garden, em Nova York, ouviu
David Stern, o homem-forte da
NBA, anunciar: "O New York
Knicks escolhe Nenê Hilário, do
Brasil". Era o sétimo selecionado
naquela noite, o sétimo maior novo talento da bola-ao-cesto.
Instantes depois, Nenê soube
que havia sido envolvido em uma
troca e que defenderia não mais o
glamouroso time nova-iorquino,
da Costa Leste dos EUA, mas sim
os medíocres Nuggets, de Denver,
no centro-oeste do país.
Ruim? Nem tanto. Menos holofotes, menos pressão, o cenário
ideal para um "rookie" (estreante) desenvolver seu potencial.
Pode-se, aliás, dizer que esse
grande dia, o dia em que Nenê pôs
um pé no melhor basquete do
mundo, foi só o primeiro de outros grandes dias em sua vida.
11 anos em 1 mês
Veio 23 de julho. E, com ele, a certeza de que não haveria um até
então improvável, porém possível, revertério. Nenê assinou contrato com o Denver, pôs os dois
pés no melhor basquete do mundo e se tornou um homem de US$
6,8 milhões. É a quantia que receberá para defender a equipe pelas
próximas três temporadas. Em
média, serão US$ 189 mil por mês.
Com o salário no Brasil, precisaria trabalhar 136 meses, ou mais
de 11 anos, para obter o que agora
receberá a cada 30 dias.
A dinheirama ainda está longe
de se equiparar ao que recebe o
piloto de F-1 Rubens Barrichello,
o esportista brasileiro mais bem
pago da atualidade: cerca de US$
8 milhões anuais na Ferrari.
Mas, com o que embolsa, Nenê
já obteve um bom fôlego para fazer seus parentes se tornarem
"novos ricos" em São Carlos.
Município este cuja boa parte de
seus 192.923 habitantes, deverá
ouvir falar com frequência, a partir desta quarta-feira, com Minnesota x Denver, estréia de Nenê na
temporada da NBA, de seu mais
ilustre filho no basquete.
Na pré-temporada, recuperado
de uma contusão na virilha que o
alijou do Mundial de Indianápolis
(o Brasil ficou em oitavo lugar),
ele já mostrou a que veio.
Apesar de ser opção de banco
do técnico Jeff Bzdelik, atuou uma
média de 25 minutos por partida,
mais que qualquer outro integrante da equipe. Foi também o
principal reboteiro do Denver,
com média de 6,5 por partida, e o
segundo maior pontuador (9,3).
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