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OLIMPÍADA
Primeira sul-americana a disputar uma prova olímpica, 70 anos atrás, Maria Lenk ainda nada e faz história
Pioneira nos Jogos acumula títulos aos 87
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Itaquicê estava prestes a levantar âncora e seguir rumo a Los
Angeles quando o então chefe do
Governo Provisório, Getúlio Vargas, subiu a bordo para cumprimentar os representantes do Brasil na 10ª edição dos Jogos Olímpicos, cuja abertura seria realizada
no dia 30 de julho de 1932.
Entre os 83 homens da delegação, chamava atenção a imagem
de uma esguia nadadora de 17
anos, vestida com saia, tailleur e
lenço na cabeça. Era Maria Lenk,
a primeira mulher sul-americana
a disputar uma Olimpíada.
"O navio partiu assim que Getúlio desembarcou, mas parou na
altura do Pão de Açúcar para que
alguns retardatários pudessem
subir", lembra a nadadora sobre o
dia do embarque no porto do Rio,
um mês antes da Olimpíada.
O pioneirismo nos Jogos de Los
Angeles, realizados há 70 anos,
contudo, é apenas a primeira conquista registrada no recheado
currículo dessa paulistana do
bairro Santana, que aprendeu a
nadar nas águas do Tietê.
Ainda na ativa aos 87 anos, Lenk
coleciona 35 títulos, dois recordes
mundiais e memórias notáveis
sobre os primórdios da natação e
do esporte competitivo do Brasil.
Os últimos três títulos foram
amealhados em março deste ano,
durante o Campeonato Mundial
Master (para nadadores com
mais de 25 anos), realizado em
Christchurch, na Nova Zelândia.
"Vou continuar nadando até
meu corpo aguentar", avisa.
Filha de alemães que imigraram
para o Brasil em 1912, Lenk diz
não ter segredo para sua vitalidade no esporte. Algumas dicas, porém, podem transparecer no livro
"Longevidade e Esporte" (editora
Técnica Científica), que ela pretende lançar em novembro.
"Minha grande virtude vem da
genética: é a longevidade de meus
pais. Eles morreram com mais de
90 anos. Acho que isso foi fundamental para minha trajetória".
Trajetória, aliás, que começou a
ser escrita naqueles Jogos de 1932,
após a épica viagem do Itaquicê.
Em Los Angeles, Lenk disputou
sua primeira competição de grande envergadura. Não passou das
eliminatórias, mas conheceu pessoas que a convenceram a persistir em um esporte sem nenhuma
tradição no Brasil.
Nos bastidores do torneio, por
exemplo, fez amizade com
Jonnhy Weissmuller, o mais famoso ator a representar Tarzan.
"Apesar de estar sempre conversando e ensinando os nadadores, ele estava chateado por não
poder competir. As regras do
amadorismo eram muito rígidas
na época", conta a brasileira.
Recordista mundial dos 100 m
livre de 1922 a 1934, Weissmuller,
ouro na prova nos Jogos de Amsterdã-1928, já trabalhava no cinema e fora proibido de competir.
Quatro anos depois, sob o olhar
de Adolf Hitler, Lenk aproveitou a
participação nos Jogos de Berlim
para encaminhar sua carreira
profissional fora das piscinas.
Após as provas, ela, que falava
alemão fluente -aprendera com
a mãe, Rosa, ainda na infância -,
permaneceu na Alemanha para
estudar na Academia de Educação Física do Reich. Lenk havia
recebido o diploma da Escola Superior de Educação Física de São
Paulo antes do embarque.
"Por causa da fluência na língua, recebi um convite para trabalhar em uma rádio local, mas recusei. Foi minha sorte. A brasileira que ficou no meu lugar morreu
durante a guerra", lembra.
A decepção
Maria Lenk aguardava com
apreensão os Jogos de Tóquio-1940. A razão era simples: conseguira superar dois recordes mundiais em 1939 -ambos homologados pela Fina e considerados os
primeiros obtidos por uma mulher da América do Sul.
O primeiro foi obtido no dia 11
de outubro, nos 400 m peito
(6min15s08), na piscina do Botafogo -a prova não é mais disputada em competições oficiais. No
dia 8 de novembro, cravou a segunda marca, no Fluminense e
nos 200 m peito (2min56s90).
O sonho do ouro olímpico, porém, esbarrou na Segunda Guerra
(1939-1945). Inicialmente prevista
para a capital japonesa, a Olimpíada chegou a ser transferida para a Finlândia, mas os conflitos
ganharam dimensões planetárias.
"Não disputar aqueles Jogos foi
a uma grande decepção", lembra.
A nadadora chegou a ensaiar
uma aposentadoria em 1942, mas
nunca abandonou o esporte.
Nos Mundiais de natação master, que começaram a ser disputados apenas em 1984, Lenk registrou a impressionante marca de
35 títulos em 18 anos.
"Conquistei sete medalhas de
ouro no Mundial de Munique, em
2000. Disseram que eu era o Mark
Spitz", brinca a nadadora, em referência ao atleta norte-americano que ganhou sete ouros na
Olimpíada de Munique, em 1972.
Viúva do norte-americano Gilbert, que morreu em 1992, mãe de
Marlem e Gilberto, Lenk passa férias em Albuquerque, na região
do Novo México (EUA), e treina
uma hora e meia todos os dias para o Campeonato Americano, que
será realizado entre 14 e 16 de
agosto. "Estou muito bem. Acho
até que posso trazer uma medalhinha,", afirma, modestamente.
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