UOL


São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No pior momento de sua carreira, Guga encara problemas pessoais, vê os familiares distantes das quadras e sofre pressão para aumentar o estafe controlado pelo técnico

Na alegria & na TRISTEZA

DO ENVIADO A FLORIANÓPOLIS E
DO ENVIADO À COSTA DO SAUÍPE

Rafael, Alice, Dona Olga, Guilherme, Larri. Talvez não exista no mundo do tênis família mais conhecida que os Kuerten. Talvez não exista um tenista tão dependente da família como Guga.
E agora, por diversos motivos, Gustavo Kuerten enfrenta o pior momento de sua carreira sem o apoio costumeiro daqueles que sempre marcaram presença.
Questionado recentemente sobre se problemas pessoais o atrapalhavam, uma das dezenas de hipóteses levantadas para explicar sua pior temporada, Guga teve voz para a avó, Olga. "Ela tem 81 anos. Quero fazer o possível para que seja ainda mais feliz."
Dona Olga, que virou celebridade em Roland Garros, não o acompanha mais. Alice, a mãe, tem muitos afazeres em Florianópolis, onde cuida do Instituto Guga Kuerten e do irmão Guilherme, excepcional. Rafael, o outro irmão, administrador de sua carreira, e a mulher, Letícia, desde o nascimento dos gêmeos Leonardo e Gabriel, em junho do ano passado, seguem menos o tenista.
E Larri Passos, o técnico que é quase como um pai para Kuerten, casaria ontem em São Paulo, para onde deve se mudar, deixando em suspenso o aspecto profissional da relação mais que profissional que alimenta com o tenista.
Se a involuntária desagregação dos Kuerten não afeta a cabeça de Guga -"Estou na fase de ver tudo o que aconteceu"-, é inegável o reflexo em seu desempenho.
O tenista, que começou o ano com o objetivo de retornar ao grupo dos top ten após a cirurgia no quadril em 2002, brilhou apenas com o título de Auckland e em Indian Wells, quando chegou à única decisão de Masters Series. De resto, nem sequer uma semifinal no saibro e a pior temporada da carreira na América do Norte.
Ele reconhece que o fracasso na terra batida, palco de suas principais conquistas, o abalou. "Foi uma situação diferente ficar fora desses torneios antes das finais. Foi um momento difícil."
Em Florianópolis, apesar da tranquilidade que Guga demonstra em seu convívio pessoal, a preocupação é nítida. Sem ter como apoiá-lo no circuito, parentes e amigos defendem que Guga monte uma estrutura maior, como a de outros tenistas de ponta.
Guga, porém, não aceita mexer no time. "Vou ser mais feliz tendo Larri ao meu lado e sendo o 15, 20 do mundo. Gosto do convívio com ele. Nunca me adaptaria com um cara que fala: "Treino às 12h". Você vê o cara, acaba o treino e depois nem fala mais com ele."

Mão-de-ferro
Centralizador, Larri é treinador, preparador físico, fisioterapeuta, nutricionista, massagista e psicólogo de Guga desde 1989. Não fala com a Folha -assim como a família, por orientação da assessora de imprensa Diana Gabanyi- e diz a quem o questiona que a pergunta deve ser feita diretamente ao tenista. Já avisou a Rafael que dá conta do recado. E que continuará dando, já que é também profissional de educação física e especialista em neurolinguística.
Seria ridículo imaginar que a vida sentimental de Larri, 45, pudesse afetar a relação dos dois. Ocorre que, para familiares de Guga, uma explicação para a má fase estaria na excessiva dependência em relação ao técnico, em um período em que não estava tão disponível -o namoro, com uma repórter de TV, começou em Acapulco, em fevereiro.
O problema se agravará agora. Quando não estiver em torneios no exterior, Larri se dividirá entre São Paulo e Camboriú (SC), sede de seu centro de treinamento.
Só que Guga queria treinar mais em Florianópolis, na casa da mãe, que foi reformada e ganhou mais uma quadra. Também por causa de Guilherme -"Dizem que é deficiente, mas o considero excepcional, nos uniu de uma maneira única"-, que vive altos e baixos.
"Vamos ver como é que vai ser", diz Perseu Lehmkulh, amigo desde 1984 e um dos principais assessores de Alice no instituto.
Primeiro técnico do tricampeão de Roland Garros, Carlos Alves lembra que até sua filha, Maria Fernanda, iniciante na carreira, conta com uma equipe com nutricionista e preparador físico.
"No circuito, o caso do Guga é bem raro. O Pete Sampras tinha um séquito com ele, mas parece que o Larri prefere diferente...", diz a melhor brasileira no ranking feminino (203º). Alves constata também falta de confiança. "Ele jogava por instinto. Hoje pensa muito, telegrafa a jogada."
Larri, na verdade, está longe de ser o único problema de Guga. Rafael e Letícia, que costumavam acompanhá-lo nas viagens, agora se dedicam mais aos filhos, que nasceram prematuros e enfrentaram uma série de complicações.
Apesar dos palpites dos familiares, no entanto, o atleta já deixou claro que só aceita alterar seu estafe com a total anuência de Larri.
Pelo menos por enquanto, o técnico se mantém irredutível. E a opinião dele pesa em Guga. Até agora quem discordou do técnico perdeu a queda de braço.
Manager internacional do tenista, Jorge Salkeld foi o primeiro que sugeriu a contratação de outros profissionais para a equipe, como um preparador físico, um fisioterapeuta e um nutricionista.
De tanto pedir mudanças, Salkeld foi colocado para escanteio. Atualmente sua principal atribuição é burocrática: reservar hotéis, marcar passagens e arrumar os traslados nas viagens ao exterior.
Salkeld apoiou duas tentativas de ampliar o estafe. Guga trabalhou com o médico Marcos Contreras e a fisioterapeuta Mariângela Lima, em Florianópolis. Em março de 2001, passou a sentir dores no quadril, mas em janeiro de 2002 a contusão foi confirmada.
O tenista e o médico optaram pela fisioterapia, com ênfase na hidroterapia e no reforço muscular, supervisionada por Lima.
Como as dores persistiam, Guga decidiu pela cirurgia no quadril direito, realizada no fim de fevereiro do ano passado, pelo médico americano Thomas Byrd.
A partir daí, as relações com Contreras e a fisioterapeuta azedaram. O médico evita falar. "É uma questão ética, não me pergunte nada." Já Mariângela Lima foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos recados.
A cirurgia deixou consequências. Guga já disse que não consegue manter o alto nível em partidas longas, como a contra o canadense Daniel Nestor, em Calgary, no último fim de semana. Em quase quatro horas, pediu atendimento médico várias vezes, mas acabou derrotado pelo 488º do mundo -o algoz de pior ranking desde o primeiro título em Paris.
Outra hipótese para a queda de desempenho seria o excesso de treino para um tenista de 27 anos, quase um velho perto dos três primeiros do ranking (média de 22 anos). "Sinto vontade de treinar, de jogar. Sou viciado em tênis."
Para Guga, porém, as pessoas estão mais preocupadas com sua situação do que ele próprio. "Acostumaram a me ver como número um. Se para mim é normal ser o 14 do mundo, para elas não é. Querem encontrar soluções." (JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO E FERNANDO ITOKAZU)


Texto Anterior: Guga ganha...Guga perde...Guga perde...
Próximo Texto: Ilha vira paraíso com nova namorada
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.