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KENNETH MAXWELL
As duas batalhas do Brasil
Obrigado, Senhor, pela
Univision, o canal de TV
em língua espanhola.
Na cidade em que vivo, em Connecticut, posso captar o sinal da
transmissora local da Univision,
baseada em Hartford, a capital
do Estado. Hartford tem uma
enorme população hispânica, um
prefeito hispânico e, glória das
glórias, um grande contingente
de amantes do futebol exigindo
acesso a uma cobertura da Copa.
A Univision transmite as partidas pelo antiquado sistema de
emissões de ondas. Qualquer
aparelho de TV com antena pode
captar o sinal. Isso é chamado hoje em dia de "TV gratuita". Assim, para assistir ao Mundial pela Univision, não é preciso fazer a
assinatura de um canal pago.
Do alto de minha montanha,
posso então ver, sem qualquer tipo de interferência e ao vivo da
Ásia, os jogos da Copa. E com os
comentários em espanhol, inteiramente livres da irritante transcrição das ações com a estranha
linguagem do futebol americano.
Para seu mérito, o "New York
Times" enviou seu melhor repórter esportivo, George Vecsey, para
a Copa, e a cobertura merece um
Pulitzer, se houvesse uma categoria para comentário esportivo.
Ele é dono de um dos mais brilhantes textos que já vi no jornal.
Para os que acompanham as
páginas esportivas do "NYT", o
Brasil otimista está de volta e fazendo barulho. O melhor título
Vecsey nos últimos dias foi "O
Brasil ainda é o centro do universo". Mas, exatamente na mesma
edição, o caderno de economia
anunciava "A montanha-russa
do mercado brasileiro", acompanhada de uma foto de Lula, os
braços dele estendidos como se
ele estivesse prestes a estrangular
investidores de Wall Street.
Minha esperança era que as
notícias esportivas pudessem
conter o cenário sombrio e maldito da cobertura econômica. Entretanto, quando sugeri isso para
um antigo editorialista do
"NYT", ele me disse que o jornal é
o único dos EUA em que as páginas de finanças têm mais leitores
que a seção de esportes.
E não havia dúvidas de que as
duas imagens estavam ligadas.
No atual ambiente de más notícias, apenas o poder de uma vitória do Brasil na Copa do Mundo
pode forçar a inclusão de boas
notícias sobre o país nos principais meios de comunicação.
De certa forma, isso tem acontecido. Cenas de torcedoras brasileiras celebrando apareceram nos
principais programas de TV matutinos do país, e nenhum jornalista norte-americano ou europeu abrirá mão da oportunidade
de viajar para o Rio a fim de entrevistar uma carioca escandalosamente vestida em uma praia.
Mas um aspecto contra essas
imagens alegres é a rotineira reciclagem que as notícias do Brasil
recebem na mídia americana: fatos há muito esquecidos nas gavetas, trazidos à tona e servidos como absolutamente "quentes".
A cobertura da morte de Tim
Lopes é um perfeito e trágico
exemplo. A história foi publicada
no "NYT" na quinta-feira, 25
dias após o desaparecimento do
jornalista. Para o leitor eventual,
há a impressão de que o colapso
da lei e da ordem no Rio começou
apenas ontem, quando os mercados atingiram o fundo do poço.
Nada disso é novo. Imagens
conflitantes têm estado ao lado
do Brasil desde o início. Em 1502,
Américo Vespúcio fez uma vivaz
e lírica descrição do Brasil, e sua
população pré-Européia serviu
de inspiração para a "Utopia", de
Thomas Moore, escrita em 1516.
Mas havia imagens menos positivas. Em 1586, o padre Anchieta observou que os brasileiros tinham tendência à indolência e à
melancolia e gastavam boa parte
do tempo em "festas, cantando e
procurando diversão". Não há
duvidas de que essa visão desencorajou o Vaticano. Foram necessários 502 anos para que um papa encontrasse uma brasileira
(na verdade italiana) adequada
para ser santificada.
Por trás da batalha da Copa
nesta semana, haverá uma extensa e longa batalha pela imagem do Brasil, que assumiu uma
nova e urgente relevância. Se os
quatro "erres", Ronaldo, Rivaldo,
Ronaldinho e Roberto Carlos,
trouxerem a vitória, talvez haja
algum equilíbrio.
Não fiquei surpreso, por cortesia da Univision, ao ver uma
bandeira mexicana entre os torcedores brasileiros durante a celebração da vitória brasileira sobre a Turquia. Uma coisa é certa:
hispânicos nos EUA que assistem
à Univision estarão torcendo pelo
Brasil na final. Pena que não haja muitos deles em Wall Street.
Kenneth Maxwell, historiador inglês, é
brasilianista e trabalha no Council on
Foreign Relations, em Nova York
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