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comportamento
Celular do mal
Violência, constrangimento e trapaças entram no foco das câmeras de celulares em colégios de SP; torpedos divulgam "brincadeiras"
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
As escolas vetaram e o
governo proibiu.
Mas todo esse esforço não é suficiente
para banir de vez os
celulares das escolas. Seja para
gravar vídeos, ouvir música ou
passar cola, os adolescentes
driblam a atenção dos professores e continuam usando o
aparelho em plena sala de aula.
A nova mania é filmar brigas
e outras "brincadeiras" violentas e constrangedoras, como tapões na cara e montinhos
(quando um garoto é derrubado no chão e um grupo se joga
em cima dele), e depois distribuir as imagens por bluetooth
ou MSN para a turma e ainda
jogar o vídeo no YouTube.
Em uma tradicional escola
particular de São Paulo, a moda
ganhou um nome: "cinco minutos sem perder a amizade".
"É quando um amigo desafia
o outro para uma briga de cinco
minutos. A idéia é ver quem
chora e desiste primeiro", conta André, 16, aluno do segundo
ano do ensino médio.
A briga, registrada com a câmera do celular, tem direito a
golpes violentos, socos e até
chutes. Mas, segundo o garoto,
só acontece entre amigos e tudo é levado na "brincadeira".
Graças a essa "brincadeira",
na escola dele, um aluno já quebrou um osso da mão e outro
machucou o tendão. "Sangrar e
ficar com hematomas é comum. Mas a gente também se
machuca no futebol, fazer o
quê?", diz o garoto, que exibe
cicatrizes nos braços, frutos de
lutas com os amigos na escola.
Assim como gosta de brigar,
André também curte assistir
aos vídeos das brigas dos amigos. Para os garotos, quanto
mais violento, melhor o vídeo.
"É a nossa versão do "vale-tudo"
da TV", afirma Gustavo, amigo
de André e praticante.
A poucos quarteirões de distância, em outra escola particular, outro tipo de cena é registrada com o celular: em plena
sala de aula, enquanto a professora escreve na lousa, um aluno
pega outro desprevenido e lhe desfere um forte tapa na nuca,
enquanto os colegas ao lado
caem na gargalhada.
"Na hora eu rachei o bico,
mas depois senti remorso porque o garoto que apanhou era
meu amigo e me olhou com
uma cara de decepção", confessa João, 16, autor do vídeo.
Ele diz que, entre os colegas,
o tapão também é encarado como brincadeira, mas reconhece
que, para quem é agredido, é
uma humilhação. "Ninguém
quer ser o alvo desse tipo de
brincadeira", reflete.
Apesar de o vídeo ter sido
gravado durante uma aula,
João afirma que os professores
não perceberam o que estava
acontecendo.
De verdade
Mas nem todos os vídeos de
brigas no YouTube são mera
brincadeira entre amigos.
Na Europa e nos EUA, um fenômeno parecido já preocupa
autoridades. Apelidado "happy
slapping" (tapa feliz), consiste
na agressão de um jovem a outro, que é pego desprevenido,
enquanto um dos amigos do
agressor filma tudo pela câmera de um celular e depois distribui na internet.
"Quando a violência física é
filmada e reproduzida, a dor e o
sofrimento do agredido são aumentados porque são compartilhados com milhões de pessoas. O impacto na vida das vítimas é tremendo", afirma Jorge
Werthein, diretor-executivo da
Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla),
organização internacional que
possui um observatório de violência na internet. No Brasil,
não há registros oficiais nem
pesquisas sobre casos de
"happy slapping".
Apesar de haver inúmeros vídeos de brigas entre adolescentes no YouTube, é difícil distinguir quais foram feitos com o
consentimento dos envolvidos
e quais são casos de pura agressão deliberada.
"Não há uma cultura de denúncia aqui, por isso fica difícil
quantificar casos desse tipo",
diz a pedagoga Cleo Fante, vice-presidente do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar.
"O tema da violência nas escolas não está na agenda da
educação no Brasil nem na
América Latina. Ainda não se
percebe a importância e o impacto desse tipo de violência
pelos meios eletrônicos", completa Jorge Werthein.
Limites
Para os educadores, é difícil
estabelecer o limite entre brincadeira e agressão. "Existe uma
sociedade mais agressiva. Há
uma banalização da violência.
Você agride o seu amigo, tira
sangue e continua sendo uma
brincadeira? É questionável",
afirma Silvana Leporace, coordenadora do serviço de orientação educacional do colégio
Dante Alighieri, em São Paulo.
Para além da violência física,
o uso das novas tecnologias para agressões veladas e humilhações, o chamado ciberbullying,
também preocupa estudiosos.
"Os alunos agem na internet
como na vida real, sem perceber que é outro meio, com uma
permanência maior", afirma
Cristiana Assumpção, coordenadora de tecnologia na educação do colégio Bandeirantes.
"A gente tenta orientar, mas
eles acabam divulgando informações pessoais sem avaliar os
riscos", observa Cristiana.
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