São Paulo, sábado, 3 de novembro de 2012

Vida dura... ou não

Jornalistas da Folha contam como se viravam na divisão de turmas da escola

DE SÃO PAULO

Marcelo Coelho se deu mal ao levar flores para a professora. Natuza Nery ganhou apelido de Medusa. Thales de Menezes, gordo e gago, ficou amigo dos roqueiros mais velhos para se proteger. Jornalistas da Folha contam como se viravam nesse jogo entre "bananas" e "populares".

'Eu era um tipo de Bob Esponja da classe'

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Comecei bem na escola. Eu estava num colégio bem tradicional. Quem fosse bom aluno acabava sendo o mais popular.
Quando mudei de escola, começaram os problemas. Na escola nova não pegava bem ser o melhor aluno. No Dia do Professor, apareci com um buquê de flores para a minha professora.
Foi uma vergonha. Só faltou me chamarem de gay. Virei uma espécie de Bob Esponja da classe. E eu era péssimo no futebol.
Outra escola. Aí eu já estava com 11 anos. Eu tentava me enturmar. Minha saída foi virar meio que o palhaço da turma. Não adiantou. Eu tinha medo de entrar em brigas e sofria humilhações sem reagir.
Só com 14 anos encontrei a minha turma. Eram os CDFs. Todos gorduchos, de óculos. Nada populares. Alguns eram até mais desprezados do que eu. Mas ficaram meus amigos. Alguns são meus amigos até hoje.

MARCELO COELHO, 53, é sociólogo e escreve na Folha desde desde 1984.

'Gordo e gago, fui salvo aos nove anos pelo rock'

THALES DE MENEZES
EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

Tinha tudo para sofrer na escola. Era gordo e gago. Ser uma dessas coisas já era motivo para atrair as brincadeiras maldosas. E eu era as duas coisas juntas. Mas eu fui salvo pelo rock. Tinha nove anos quando comecei a ouvir Led Zeppelin.
Minha irmã ouvia uma rádio chamada Difusora, que tocava muito rock.
Ela gostava de Cat Stevens, um cantor bem famoso na época. A rádio tocava sem parar "Whole Lotta Love", do Zeppelin. Depois do Zeppelin, fui ouvir Deep Purple, Black Sabbath, Rolling Stones...
Os meninos da minha idade só assistiam a desenhos. Eu gostava também, mas o rock já tinha me enfeitiçado. Fiz amizade com os garotos mais velhos, de 12, 13 anos. Eram os roqueiros da escola. Os colegas da minha classe sabiam que eu tinha amigos bem grandões, por isso nunca me incomodavam.
Depois cresci bastante, e, com 14 anos, tinha mais de 1,80 m. Aí é que ninguém mais mexia comigo.

THALES DE MENEZES, 50, virou especialista em rock; na Folha, escreve sobre música e outros assuntos ligados à cultura

'Ganhei apelido de Medusa'

NATUZA NERY
DE BRASÍLIA

Meu nome, Natuza, sempre foi um prato cheio para as maldades. Vez por outra, um gaiato olhava nos meus olhos e virava pedra.
Para correr do apelido inevitável de Medusa, aquela das cobras na cabeça e de olhos brilhantes, minha única defesa era, claro, o ataque. E fazia isso zoando os mais bananas do que eu. Assim, pensava, os mais populares se esqueceriam de mim e focariam no colega ao lado. Dava certo. Quase sempre.
Lembro-me de reclamar com minha mãe: "Natuza, não. Eu queria ser Kátia!".
Na escola, não era a mais bonita, nem a mais inteligente. Mas aprendi a fazer as pessoas rirem, de mim ou dos outros. Puro instinto de sobrevivência!
Foi pelo humor que me tornei banana disfarçada. Comecei a rir e a correr atrás de populares e bananas tentando fixar meu olhar nos deles. Era o jeito de paralisá-los.
O recreio era a hora da verdade. Os tímidos se reuniam para comer o lanche escondidinhos; os populares engoliam um sanduíche rápido para sobrar tempo de azucrinar os demais. E eu ficava zanzando entre um grupo e outro, fazendo de tudo para renegar a condição de banana.

NATUZA NERY, 35, é repórter da sucursal de Brasília da Folha

'Lia gibi escondido da turma'

MARCELO SOARES
DE SÃO PAULO

Perna-de-pau e tímido, preferia ler gibi na hora do recreio. Estava longe de ser popular na escola, mas, até os 12 anos, a possível bananice não me incomodava.
Na sétima série, a falta de jeito ganhou a companhia de espinhas, e eu me chateava achando que menina nenhuma queria saber de mim por causa disso (não era bem assim, fiquei sabendo mais tarde).
Passei a ler gibi escondido por achar que estava crescido demais pra andar com super-heróis embaixo do braço; o que os outros iam pensar?
E os apelidos? No primeiro dia da sétima série me apelidaram e eu xinguei. O problema: se atender, pega; se xingar, gruda.
Vinte anos depois da oitava série, a turma se reencontra no Facebook. Eu, com cabelos brancos, outros, carecas. Com nomes completos, ninguém se reconhece bem. Até que os apelidos reaparecem.
Com o tempo, até o que enchia o saco vira lembrança querida. Acho que era um banana na infância, mas acredite: isso não tem a menor importância.
A tal "popularidade" vale menos e dura menos que o respeito que a gente oferece e recebe de volta.

MARCELO SOARES, 35, é autor do blog Afinal de Contas, da Folha

'Bebê, estreei na pirraça, ou no bullying'

MATHEUS MAGENTA
DE SÃO PAULO

Minha mãe sempre diz que brincadeira em que só um ri não é brincadeira, é sacanagem. Só que ela se esqueceu de calcular os risos da "plateia".
Aos dois anos, descobri a pirraça (bullying, em baianês), ao perceber meu irmão enjoado e preocupado com engasgos quando eu abria a boca cheia de comida.
Na escola, tudo piorou: apelidos incômodos, fofocas falsas e uma busca incessante por rir e ouvir risos a partir do constrangimento alheio. O ápice ocorreu no Natal de 2010, quando uma amiga chorou porque, incentivado pelos risos da "plateia", eu não soube a hora de parar. Desde então, só pirraço se o "alvo" também estiver rindo. Caso contrário, seria uma maldade que não deve ser feita com ninguém.

MATHEUS MAGENTA, 26, é repórter da "Ilustrada", caderno de cultura da Folha

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