|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VALE A PENA SABER/LITERATURA
Conto convida à reflexão sobre valores
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
No ano do centenário de sua
morte, Machado de Assis, que é
presença constante nos exames
vestibulares, tem tido seu nome relembrado em exposições
e relançamentos de sua impressionante obra.
Conhecido sobretudo por
seus romances "D. Casmurro"
e "Memórias Póstumas de Brás
Cubas", Machado de Assis, na
opinião de boa parte da crítica,
atingiu o ápice de seu poder de
síntese nas narrativas curtas.
Foi nos contos que apurou o
seu estilo inconfundível, marcado pela sucessão de ironias a
serviço de uma visão negativista (ou realista?) do mundo.
Exemplar disso é, entre muitos outros, o "Conto de Escola",
uma verdadeira lição de ética
-ainda que às avessas.
Esse conto pode ser um bom
início para quem ainda não leu
Machado. O ambiente escolar,
muito presente na vida dos estudantes, é palco de grande
parte das experiências da adolescência e do início da juventude. O relacionamento com os
colegas, as regras de convivência, a figura de autoridade, tudo
isso é, de alguma forma, aprendido na escola -ou, pelo menos, espera-se que seja assim.
Na narrativa machadiana, a
"moral da história" é irônica
porque é exatamente na escola
que o garoto aprende a corrupção e a delação. A própria escola, com seus métodos, é questionada: é um ambiente ameaçador (pendurada na parede, a
palmatória a espreitar os alunos), de disciplina rígida, mas,
ao mesmo tempo, percebido
como decadente. Veja-se a descrição da entrada do mestre na
sala de aula diante dos alunos,
todos em pé em atitude respeitosa, enquanto ele ajeita a bolsa
de rapé na gaveta.
A crítica à escola, entretanto,
está inserida numa crítica mais
ampla, que engloba uma sociedade ainda escravocrata, na
qual o castigo físico é algo corriqueiro e aceito.
A autoridade que se afirma
pela imposição do medo aparece não só na figura do professor
como também na do pai do garoto Pilar, "um velho empregado do Arsenal da Guerra, ríspido e intolerante", hábil no manuseio da vara de marmeleiro.
Dentro da escola, como fora
dela, embatem-se sentimentos
como inveja, cobiça, medo, arrependimento, tentação. No
ambiente escolar, porém, tudo
isso aparece envolto numa aura de ingenuidade, a ingenuidade das crianças, que praticam a
corrupção e a delação apenas
com uma vaga impressão de
que o fazem.
O comportamento das pessoas diante dos dilemas do cotidiano é a tônica dos contos de
Machado. As atitudes, mais do
que quaisquer palavras, dão a
medida de cada um. Com certeza, a leitura do texto rende
uma boa discussão sobre ética
e solidariedade.
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO , consultora de
língua portuguesa da "Folha de S.Paulo", é autora dos volumes "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula" (Manole) e "Manual
Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL)
Texto Anterior: Tira-dúvidas 2: Coordenador da Fuvest participa de bate-papo Próximo Texto: Deu na mídia: Mandela, o homem que derrotou o apartheid Índice
|