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VALE A PENA SABER/HISTÓRIA
A construção da cidadania e as cotas "raciais"
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Inúmeros argumentos utilizados no debate travado nos últimos anos em torno da adoção
de cotas "raciais" em universidades públicas guardam muita
semelhança aos que foram utilizados nos séculos 18, 19 e 20
para combater a construção da
cidadania, tal como a conhecemos nas modernas democracias liberais do Ocidente.
Na época da Revolução Francesa, por exemplo, Edmund
Burke, influente intelectual e
ativista político irlandês, afirmava que a luta pelos direitos
civis condenaria a sociedade à
degeneração e à tirania.
O grande poeta, filósofo e historiador Friedrich Schiller dizia que a tentativa de instaurar
os sagrados direitos do homem
e de conquistar a liberdade reconduziriam a Europa à barbárie e à servidão.
Em relação à luta pela implantação do sufrágio universal, que se estendeu pelos séculos 19 e 20, o refinadíssimo historiador suíço Jacob Burckhardt previu, em meados do
19, que o despotismo das massas (sufrágio universal, a democracia) levaria à tirania e ao fim
da história. Gustave Le Bon, em
obra de grande sucesso publicada em fins do 19, argumentava que as inúmeras leis e regras
aprovadas pela democracia para defender a igualdade e a liberdade resultariam num governo da burocracia e esmagariam a liberdade.
A outra instância da cidadania das democracias modernas,
os direitos econômicos e sociais, enfrentou resistências ferozes para sua implantação.
Em meados do século 19, intelectuais importantes, como Daniel Defoe, Burke, Malthus e
Tocqueville, argumentavam
que as medidas de ajuda aos pobres (as "poor laws" inglesas)
aumentariam a miséria, pois
estimulavam a preguiça, a depravação e o ócio. Segundo um
ensaísta, Bulwer-Lytton, "as
"poor laws" tinham a intenção
de evitar os mendigos; tornaram a mendicância uma profissão legal".
Em 1984, Charles Murray
bradando contra o "welfare state" (estado de bem-estar) dos
EUA, afirmava que "tentamos
prover mais para os pobres e
em vez disso produzimos mais
pobres".
A semelhança entre esta linha de argumentação, na qual a
tentativa de transformar a sociedade numa direção fará com
que ela se mova no sentido contrário, e a afirmação de que a
adoção das cotas reforçará a
discriminação, será mera coincidência?
ROBERSON DE OLIVEIRA é professor da Escola
Móbile e autor de "História do Brasil: Análise e
Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora
FTD)
roberson.co@uol.com.br
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