|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES
Pessoas sem treinamento adequado se aproveitam de mercado informal criado pelo alto público da mostra na Oca
Monitores falam bobagens sobre Picasso
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Picasso teve uma visão de Nossa Senhora Aparecida e pintou,
em 1907, a tela "Três Figuras sob
uma Árvore"." A afirmação tresloucada, quem diria, não foi dita
por um fanático religioso em uma
igreja, mas por um monitor que
"explicava" uma das obras da exposição "Picasso na Oca", em cartaz no parque Ibirapuera.
O tal monitor, entretanto, não é
um dos 64 educadores preparados pela BrasilConnects, que organiza a mostra, mas um acompanhante de grupos, muitas vezes
de escolas, que contratam empresas de turismo para levar alunos à
exposição.
"Não podemos impedir esses
grupos de entrarem na mostra,
mas percebemos que os monitores que os acompanham andam
falando muitas bobagens. Por isso
resolvemos afixar um aviso na entrada da exposição que explica
que apenas as pessoas identificadas com a marca BrasilConnects
estão aptas a dar informações sobre a mostra", diz Rachel Mattara,
coordenadora do programa educativo da instituição.
O festival de bobagens que se
ouve na mostra é, de fato, sem
fim: "Picasso pinta o nu feminino
para mostrar como a mulher é
frágil e, por isso, todos os homens
que retratou estão vestidos", ou
então, "os quadros que estão aqui
não são originais, os verdadeiros
são bem maiores". Os próprios
educadores da BrasilConnects
reúnem as "pérolas" mais impressionantes que ouvem num
caderno vermelho.
Desde a Mostra do Redescobrimento, organizada em 2000, um
verdadeiro mercado informal se
organiza em torno das exposições
"blockbuster" da BrasilConnects.
São empresas de eventos e turismo que disponibilizam transporte e monitores para grupos.
Na última quarta-feira, a Folha
acompanhou um desses grupos, o
da empresa Harpia, com uma escola infantil. Três monitores
acompanhavam as crianças, revezando-se na descrição das obras.
"Nós recebemos uma apostila,
mas a gente improvisa porque a
teoria é uma coisa muita chata",
diz Bisteka, 18, estudante do primeiro ano de turismo e um dos
três monitores.
Entre as improvisações de Bisteka, o rapaz apontava para obras e
falava: "Vejam que há uma flecha
aqui neste quadro, por isso é uma
obra muito abstrata", ou então,
"acho que Picasso gostava muito
de rock, porque há muitas guitarras em sua obra".
Segundo Samuel Elias Luciano,
proprietário da Harpia, Bisteka
era apenas um "apoio". "Treinamos seis pessoas, todas elas com
visitas à exposição, explicação de
obra por obra e depois elaboramos um catálogo. O Bisteka faz
parte de um novo grupo que será
preparado", diz Luciano, cuja empresa cobraria R$ 16 por aluno de
uma escola em Higienópolis.
Já os educadores, é assim que
são chamados os monitores preparados pela BrasilConnects, passam por cursos de 30 horas, além
de ter acompanhamento permanente durante a exposição. Uma
sala de leituras, também aberta
gratuitamente ao público, localizada na Oca, contém livros sobre
Picasso (1881-1973) e seis terminais de internet para consulta, onde os educadores se atualizam.
"A gente se sente mal quando
ouve esses absurdos na exposição.
Às vezes, fico dias pensando em
como abordar certos temas, e esses outros monitores simplificam
tudo", conta Paloma Automare,
formada em letras pela Universidade de São Paulo (USP), uma
das educadoras. Entre seus colegas, segundo Mattara, "há arquitetos, artistas plásticos e até pessoas com mestrado na Sorbonne
[em Paris]".
O setor educativo da BrasilConnects, que não cobra pela monitoria, não tem condições de atender
à demanda de acompanhantes.
"Atenderemos até sábado [ontem] 100 mil estudantes, dos mais
de 500 mil visitantes que tivemos.
Temos 1.200 escolas em lista de
espera. Como a exposição foi
prorrogada por mais 45 dias [até
13 de junho], esperamos conseguir alcançar boa parte das escolas", conta Mattara. Para quem
preferir ir sozinho, a entidade oferece monitoria gratuita em sessões diárias, com horários divulgados no site da instituição:
www.brasilconnects.org.
PICASSO NA OCA. Mostra com 126
obras do acervo do Museu Picasso, de
Paris. Curadoria: Dominique Dupuis-Labbé. Quando: de ter. a sex., das 9h às
20h; sáb. e dom., das 10h às 20h; até 13/
6. Onde: Oca (pq. Ibirapuera, portão 2,
São Paulo, tel. 0/xx/11/3253-7007).
Quanto: R$ 10. Patrocinador: Bradesco.
Texto Anterior: Comentário: Peça é o "Hair" dos anos 90 Próximo Texto: Quem tem medo de fila comprida? Índice
|