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COMENTÁRIO
Peça é o "Hair" dos anos 90
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM NOVA YORK
Vou deixar bem claro desde o
inicio que quem escreve não
é fã do estilo "real-socialista" de
Tony Kushner e, muito menos, de
como esse blablablá superpremiado acaba encenado no palco.
Isso porque Kushner vem de
uma longa linhagem de dramaturgos que trabalham a "fantasia
realista". Mas muitos dos seus
precedentes, como Howard Brenton ou Edward Bond, por exemplo, são muito mais explícitos e
atingem seus alvos com mais precisão. Kushner foi um passo além,
com "Angels in America", em
1993, criando a "fantasia gay".
Mas, mesmo assim, quando assisti a parte da produção na época,
entrei frio e sai gelado.
Contudo não há como contestar
que a odisséia de sete horas, dividas em duas partes -a primeira
chamava-se "The Millenium Approaches", e a segunda, "Perestroika"-, foi um sucesso fenomenal.
Talvez isso diga algo sobre o público americano, sobre sua falta
de informação, sobre sua falta de
formação. Confesso que quando
fui (tentar) ver ambas as partes,
sai desgostoso de tão medíocre
que achei a encenação e, principalmente, o conteúdo, o texto, o
material dramático.
E eu perguntava em volta. Por
que tanto "fuss"? Por que essa peça está sendo tão comentada? Justamente. Tony Kushner conseguiu trespassar barreiras que
poucos (nem David Mamet na
época) haviam conseguido: a barreira da burguesia, a barreira da
platéia que lota os teatros da
Broadway com interioranos e famílias "clean" de New Jersey, os
chamados "bridge and tunnel
people".
Nesse sentido, a vitória de "Angels in America" foi enorme, fenomenal e quase didática. Ela
equivale talvez ao "Hair" dos anos
90, levando um assunto tabu (a
Aids) aos palcos da Broadway e
revelando figuras como Roy
Cohn, um judeu famoso por ter
sido um tirano especialista em assuntos militares da era macarthista (ele era gay e acabou morrendo
de Aids).
Kushner não abriu nenhum novo capitulo como dramaturgo. Na
verdade, ele é o Elton John da dramaturgia moderna.
Mas "Angels in America" certamente quebrou recordes porque
ninguém esperava que os palcos
da Broadway se prestassem a assuntos tão profundos.
O espetáculo já virou, nesse
meio tempo, uma megaprodução
de cinema feita pela HBO e dirigida pelo celebradíssimo Mike Nichols. Além disso, diversos países
tiveram suas próprias versões de
"Angels in America". Era para
Tony Kushner -que ganhou vários prêmios Tony, o melhor da
Broadway, além de receber o Pulitzer- ser uma arrogante celebridade de óculos escuros e chapéu enfiado na cabeça. Mas não é.
É simpaticíssimo e fala com todo
mundo.
Sua recente produção, "Caroline, or Change", acaba de se mudar de uma sala pequena do Public Theater -dirigida por George Wolfe, diretor artístico desse
teatro em processo de demissão- para a Broadway com
enorme sucesso.
Ainda não a assisti e duvido que
vá perder meu tempo indo lá.
Mas, à distância, mantenho o meu
respeito.
Gerald Thomas é diretor de teatro
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