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CRÍTICA
O modo fantástico de fazer jornalismo
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Para quem foi adolescente
nos anos 70, a música-tema
do "Fantástico" era um signo da
depressão dominical.
O começo do programa marcava o término inexorável do fim
de semana, a iminência da segunda-feira e, mais, o fato de que
todas as esperanças de iluminação e de descobertas incríveis tinham ido por água abaixo.
Em vez de ter conseguido
transformar radicalmente sua vida naquela semana e, sobretudo,
naquele sábado e domingo, esperança secreta de 11 entre dez adolescentes, só restava a modorra,
ver o tal do show da vida pela tela
da TV.
O "Fantástico" parece ser uma
espécie de Coca-Cola da programação de TV -a fórmula, a um
tempo intragável e absolutamente bem-sucedida, pouco mudou
nos mais de 30 anos que está no
ar (o programa estreou em 5 de
agosto de 1973).
Modernizam-se as roupas dos
apresentadores, introduz-se aqui
e ali toques futuristas -agora há
até uma prima mais jovem de
Max Headroom, a apresentadora
virtual Nica Shelley-, mas o espírito continua o mesmo.
Tudo, no "Fantástico", tem o
mesmo peso -a reportagem
tem apresentação dramatizada, o
documentário da TV estrangeira
é picotado à vontade, a ficção
"alivia" o momento-denúncia, o
humor se segue ao futebol. E isso
só para ficar nos formatos, pois o
conteúdo segue regras ainda
mais homogeneizadoras.
O obscurantismo anda de
mãos dadas com a informação
científica e tecnológica, a política
se dá numa espécie de teatro distante, as "polêmicas" inventadas
pela novela têm o mesmo lugar e
importância que os comportamentos que surgem de fato na
sociedade e assim por diante.
Memória
Evidentemente, tomadas individualmente, o "Fantástico", de
fato, já produziu reportagens interessantes, trouxe imagens impactantes, fez um trabalho de registro de personagens da história
recente do Brasil que tem valor
jornalístico e histórico inegável.
No recém-lançado DVD "Grandes Reportagens", parte (boa
parte, os dois DVDs somam mais
de sete horas) dessa trajetória está recuperada e, de fato, vale a pena ver de novo, sobretudo num
país em que há tão pouca memória audiovisual disponível.
A fórmula está tão entranhada
no imaginário brasileiro que a revista dominical eletrônica da Record, "Domingo Espetacular",
tem tudo para se transformar na
Pepsi Cola da programação de
TV. É igual na concepção, ligeiramente diferente na execução.
Em tudo é um pouco mais precária -tem menos recursos para
produzir material original, menos dinheiro para comprar bons
programas e documentários internacionais-, mas ao mesmo
tempo oferece um cardápio muito semelhante de emoções. Um
golzinho aqui, uma denuncinha
ali, algum maluco arriscando a
vida numa corredeira e assim se
dissipa o domingo.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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